Exames foram produzidos pelo IML com base no Protocolo de Istambul,
da ONU, e anexados ao processo em tramitação na Justiça Militar

 

Laudos médicos produzidos com base no Protocolo de Istambul reforçam as denúncias de que sete homens foram torturados em um quartel do Exército em agosto do ano passado, durante o período da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Os exames foram produzidos pelo Instituto Médico Legal (IML) e anexados ao processo penal em curso na Justiça. A Defensoria Pública do Estado (DPRJ) representa os jovens no caso. 

Esses são os primeiros laudos periciais produzidos no Brasil com base no Manual de Investigação e Documentação Eficaz da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, conhecido como Protocolo de Istambul. Adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o procedimento prevê, entre outras medidas, entrevistas das pessoas submetidas à tortura com médicos, psicólogos e legistas. As respostas são comparadas com os resultados do exame de corpo de delito, fotografias e depoimentos prestados nas audiências de custódia. Então, é feito o parecer. 

Foram produzidos sete laudos – um para cada réu. A constatação dos peritos foi que “as alterações psicológicas apresentadas são altamente compatíveis com aquelas apresentadas por pessoas que passaram por situações de estresse psicológico agudo, nelas incluídas a tortura”. 

 

A prisão
Os jovens foram presos em flagrante no dia 20 de agosto de 2018, em uma comunidade do Complexo de Favelas da Penha, na Zona Norte, sob acusação de tráfico e associação para o tráfico de drogas. Porém, eles foram apresentados à audiência de custódia dois dias após a prisão, quando foram constatadas múltiplas lesões, segundo as denúncias, provocadas enquanto estavam sob a guarda e responsabilidade dos militares. 

Segundo o defensor público André Castro, assessor especial da DPRJ, os homens deveriam ter sido apresentados na audiência de custódia imediatamente. O procedimento é realizado logo após o flagrante e serve para o juiz analisar a legalidade e a necessidade de prisão. Os acusados encontram-se presos preventivamente desde então. A DPRJ ingressou com habeas corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça, mas a corte não acolheu os pedidos.

– Identificada a situação de flagrância, os homens deveriam ter sido levados à audiência de custódia, mas não foi o que aconteceu. Eles foram levados ao quartel onde, segundo os relatos dos acusados, que foram reforçados agora pelos laudos periciais, teriam sofrido tratamento que pode ser considerado tortura – afirmou o defensor. 

A defensora pública Carla Vianna, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da DPRJ, afirmou que a produção de laudos médicos com base nas regras do Protocolo de Istambul constitui uma importante ferramenta para combater a violência cometida pelo estado. 

– A violência do estado vem sendo naturalizada. Vivemos em um momento em que todos nós estamos reféns e sujeitos a essa prática – destacou a defensora. 

Entre as agressões denunciadas, estão eletrochoque, aplicação de spray de pimenta nos olhos e boca, privação de comida e água por mais de 24h, exposição ao sol e calor, imposição de postura dolorosa com amarradura de membros com impedimento de circulação sanguínea, prática de interrogatório com uso de saco plástico como instrumento de sufocamento e ameaça de empalamento.

 

Processos
Os laudos foram anexados ao processo por tráfico de drogas, em tramitação na 26ª Vara Criminal do Rio. Na Justiça Militar, os acusados respondem por tentativa de homicídio, sob a alegação de terem trocado tiros com os militares. Isso porque, desde 2017, por força do decreto 13.491/2017, a competência da instância militar foi ampliada para cidadãos comuns, quando há militares envolvidos. Passado mais de um ano, o Ministério Público Militar ainda não ofereceu denúncia e mantém a investigação sob sigilo.



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