A prisão em segunda instância viola o princípio da presunção de inocência e com mais intensidade atinge a população vulnerável por todo o país. Em sustentação oral no Supremo Tribunal Federal (STF), a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) apresentou aos ministros posicionamento nesse sentido chamando atenção para o fato de que a antecipação do cumprimento da pena tem grande impacto para os usuários da Defensoria (em sua maioria, pessoas pobres e negras residentes em favelas e periferias). Em julgamento sobre o assunto iniciado nesta quinta (17), a DPRJ requereu em plenário a validade do princípio ressaltando que a relativização da norma “tem destinatário certo”. A sessão será retomada na quarta-feira (23).
Representada em Brasília pelo defensor público Pedro Paulo Lourival Carriello, a DPRJ atua como amicus curiae (parte interessada) nas três ações declatórias de constitucionalidade (adc’s) em julgamento na corte. Para a Defensoria, é urgente e necessário rever o posicionamento adotado em 2016 porque a relativização da presunção de inocência, conforme questionado nas adcs 43, 44 e 54, “acaba tendo dimensão letal na atual política de Segurança Pública do Rio de Janeiro, pois, em becos de favela, a presunção da culpa se dá pela condição racial de negro.”
Em sua intervenção, o defensor falou sobre busca e apreensão coletiva. Disse que, na prática, é demarcado o território “como num campo de concentração” e, pela questão racial e de moradia periférica, acontece a antecipação, no mesmo ato, “do inquérito, da acusação, do processo, da condenação e da execução da pena”.
– Essa presunção vai além e às vezes antecipa situações de forma dolorosa, como a que aconteceu absurdamente com Marielle. Também faz com que Ágathas fiquem no meio do caminho. Há uma antecipação do caso Marielle na menina Ágatha. Há uma antecipação dessa presunção nos morros – sustentou Carriello.
Para o defensor, a relativização do processo penal permitirá também a de outros direitos fundamentais.
– Não estamos aqui discutindo a potencialidade da casa em interpretar a Constituição. A norma em questão não é aberta: ela é clara e evidente, e não permite avessos. A literalidade da lei dá segurança a quem mora na Maré, na Tijuca ou em Ipanema, porque a norma constitucional é para todos, e a história da Constituição é a própria história da nação – ressaltou Carriello, continuando: “O Estado do Rio de Janeiro e a Defensoria Pública do Rio necessitam de uma decisão que ultrapasse e transceda a simples ideia de presunção de inocência no processo penal. Precisam de uma decisão que venha irradiar Marias, Ágathas e outras pessoas”, disse.
Sessão foi iniciada com a leitura do relatório
A sessão no STF foi iniciada com a leitura do relatório pelo ministro Marco Aurélio, relator das três adc’s na casa. Em seguida, foi aberta a fase de sustentação oral para os representantes dos autores das ações e para as entidades habilitadas como amicus curiae. Com a retomada do julgamento na próxima quarta (23), haverá a manifestação da Procuradoria-Geral da República e da Advocacia-Geral da União (AGU) e, depois, os ministros começam a votar.
Texto: Bruno Cunha