Uma política de segurança pública eficaz é aquela que foca na cidadania. Foi a avaliação que fizeram representantes de diversas entidades que apoiam a campanha “Pacote Anticrime: Uma solução Fake”, lançada nesta terça-feira (2), no Rio de Janeiro. A iniciativa, que já passou por Brasília e São Paulo, chama a atenção para as consequências negativas dos Projetos de Lei 882 e 1.864 de 2019, em tramitação na Câmara e no Senado, respectivamente. Apresentadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, as propostas preveem uma série de medidas inconstitucionais, que podem prejudicar o direito das pessoas de se defender em um processo penal.
Pacote Anticrime: Uma Solução Fake conta com o apoio de mais de 70 entidades em todo o país. O lançamento da iniciativa no Rio ocorreu no auditório Defensor Público Silvio Roberto Mello Moraes, no 2º andar da sede da Defensoria Pública do Estado (DPRJ), e contou com a participação de juristas e representantes da sociedade civil, assim como vítimas da violência. Na ocasião, os participantes discutiram as incongruências e consequências dos projetos de leis batizados de “pacote anticrime”. Para o 1º Subdefensor Público-Geral Marcelo Leão, que participou do evento, a campanha lança um olhar crítico sobre o pacote.
– A Defensoria Pública é contra essas medidas por considerar que elas não atacam as raízes do problema, mas, na verdade, os agravam – afirmou o defensor.
A desembargadora federal e integrante da Associação de Juízes pela Democracia, Simone Schreiber afirmou que, além de inconstitucional, os projetos de lei ignoram toda a jurisprudência construída sob a vigência da Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”. Para a desembargadora, as medidas propostas pelo pacote tendem a legalizar práticas de violação de direitos e abuso de poder, já comuns em zonas de conflitos.
As medidas propostas pelo Pacote Anticrime podem dificultar o exercício de direitos básicos como a presunção de inocência e o direito ao devido processo legal, explicou a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Renata Neder. De acordo com ela, o modelo de segurança pública presente nos projetos de lei resultará no aumento do número de homicídios e de pessoas encarceradas, assim como no crescimento do número de violações de direitos, dentre os quais à educação e ao ir e vir, afetando diretamente o cotidiano das populações mais vulneráveis.
O defensor público Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da DPRJ, afirmou que é preciso elaborar uma proposta de segurança pública baseada na cidadania e enfatizou a importância da campanha para a defesa dos direitos humanos e para a reflexão sobre as políticas de segurança pública.
– A Defensoria Pública, como agência pública de direitos humanos, tem por obrigação conferir voz a população que, ao mesmo tempo, é a mais vitimada pela violência e criminalizada: a população favelada e periférica. Há de se dar voz a essas pessoas para que se entenda a complexidade dos problemas e se tenha no horizonte as soluções – afirmou Queiroz, descantando que o pacote anticrime não ataca os reais problemas.
– Por exemplo: na exposição de motivos do projeto, ao se tentar justificar o alargamento do conceito de legítima defesa para os agentes de segurança pública, afirma-se que isso se dá em razão das ações policiais ocorrerem em locais de casas geminadas, com ruas estreitas, o que colocaria o policial em risco. Pensam segurança pública com a única ideia de polícia e bandido. Não seria mais saudável para sociedade urbanizar esses territórios, construindo vias de acesso adequadas, com saneamento básico e regularização fundiária? Certamente diminuiríamos a criminalidade e a letalidade – acrescentou.
Além de Marcelo Leão, Simone Schreiber, Emanuel Queiroz e Renata Neder, também participaram do evento a representante da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência Ivanir dos Santos e da pesquisadora do Observatório de Favelas Aline Maia. O evento foi aberto à participação do público composto por integrantes da sociedade civil.
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