Lançado em abril de 2018, o “Circuito Favelas por Direitos” se consolidou nessa segunda-feira (3) com a assinatura da resolução de institucionalização do projeto, que agora possui um formato permanente no quadro de atividades da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O lugar escolhido para a cerimônia é bastante simbólico: o casarão do Morro dos prazeres, mostrando que na favela há espaços com boas construções e bem planejados. Além do trabalho social desenvolvido na comunidade, o lugar também faz referência a casos emblemáticos de violência institucional, como a ação policial que aconteceu nas proximidades do Morro, que acabou com o assassinato de 13 pessoas no Fallet.
Com o objetivo de promover uma escuta qualificada e desenvolver atividades na defesa dos moradores de comunidades, o projeto percorreu 30 favelas do Rio e nesse período contou com a participação de 400 pessoas e de mais de 70 defensores e recolheu em torno de 500 relatos dos moradores. Representantes de organizações da sociedade civil e de outras instituições, como o Defezap, a Secretaria de Direitos Humanos e a Defensoria Pública da União (DPU), também participaram e foram essenciais na construção dessa atividade.
— Nesse momento de crise, o circuito ampliou a possibilidade de ação. E as parcerias foram essenciais para que ele ganhasse a dimensão que ganhou. É um dos projetos mais revolucionários que eu já vi nesses meus 17 anos de Defensoria, que conseguiu levar tantos defensores para essa vivência nos territórios, promovendo uma formação de experiência na prática — disse o defensor público-geral, Rodrigo Pacheco.
Presentes no projeto desde a primeira visita, a servidora Priscila Oliveira e o ex-estagiário Salvino Barbosa fizeram uma apresentação sobre o desenvolvimento do projeto ao longo de seu primeiro ano. Eles destacaram como principal ganho a produção de debates e os impactos na mídia ao potencializar as falas dos moradores, que historicamente sofrem violações de direitos, ampliadas após a intervenção federal.
Depois, a coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação da DPRJ (Nuth), a defensora Maria Julia, e o ouvidor-geral da DPRJ, Pedro Strozenberg, explicaram como será a dinâmica a partir de agora, com a institucionalização. Foi pensado três formatos de atuação para essa nova etapa. O formato preventivo, com atividades recorrentes, de estar presente e escutar os moradores, promovendo a educação em direitos. Outro formato a ser trabalhado são as situações emergenciais, quando acontece algo que necessita de uma atuação imediata. Aliado a um trabalho de comunicação, que ajuda na construção do discurso na mídia, sem distorções. E outro formato é o circuito permanente, com uma abordagem da violência institucional nas favelas, registrando os impactos dessas ações violentas, não só em decorrência da operação policial, mas todas as violações sistemáticas que já ocorrem historicamente.
Lideranças das comunidades, que participaram do Circuito, tiveram um momento para compartilhar suas experiências e a importância da iniciativa nesses espaços silenciados e esquecidos pelo poder público. Ressaltaram que o território tem voz e precisa ter seus direitos reconhecidos e só o fato de ter representantes da Defensoria dentro das favelas promovendo essa escuta, os moradores ganham força e auto estima para denunciar violações, até então normatizadas, e cobrar seus direitos.
— Eu me surpreendi quando eu vi o projeto que vai na comunidade para ouvir. A gente sozinho não se basta e é muito importante essa articulação. Ir lá é gerar acesso. Muitas vezes a gente não tem dinheiro para se deslocar, para ir denunciar. E também, você vai denunciar as violações do Estado para quem? Para o próprio Estado? Então a Defensoria é essa alternativa, presente e atuante — relatou Wesley Teixeira, da comunidade Mangueirinha.
A cerimônia contou com uma homenagem as pessoas que apoiaram ativamente o circuito em 2018. Elas receberam uma foto das visitas e foram convidadas a rubricarem também na resolução de institucionalização. Figuras importantes na construção desse processo, como o ex-defensor público-geral André Castro, um dos apoiadores do projeto, que teve início na sua gestão, e o coordenador do Núcleo de Direitos Humanos (Nudedh), o defensor Daniel Lozoya, que esteve presente em diversas visitas.
— O Circuito segue os princípios constitucionais, não estamos inventando nada de extraordinário. Mas infelizmente no nossos país direitos são privilégios de poucos. Trabalhamos de forma coletiva, integrada com a sociedade civil, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, no direito à Segurança Pública, direitos constantemente violados nesses espaços que visitamos — disse o ouvidor-geral após a assinatura da resolução.
Texto Jaqueline Banai