Iniciativa realizada no sábado (1º) levou orientação jurídica e demais serviços à
população da região localizada a pelo menos uma hora
de barco do Centro de Angra dos Reis

 

A viagem ao Cento de Angra dos Reis em barco alugado às pressas pela família da dona de casa Edimeia dos Santos, na sexta (31), foi a única alternativa de socorro encontrada naquela noite para o neto dela de 3 anos. Queixando-se de dores na região do quadril por volta das 23h30, o menino foi levado para atendimento em hospital da cidade porque mora na Ilha de Provetá e, segundo moradores, o Serviço Móvel de Urgência (SAMU) não costuma chegar ao local acessado em percurso marítimo de 19 km e por pelo menos uma hora. Há dificuldades também na região para a instalação dos relógios de luz nas residências e para acesso a outros serviços conforme relatado, no sábado (1º), à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ).

Em mais uma edição do projeto “Defensoria nas Ilhas”, a instituição atravessou o mar de Angra e chegou a Provetá para atender a população local atualmente estimada em 1500 habitantes e praticamente formada por pescadores e suas famílias. Das 9h às 15h, foram realizados cerca de 200 atendimentos dentro da iniciativa criada pela DPRJ, em 2017, com o objetivo de percorrer regiões insulares promovendo cidadania e acesso à Justiça por meio de ações voltadas à educação em direitos e com uma série de serviços. Além de orientação jurídica gratuita e de acompanhamento processual, o atendimento inclui o ajuizamento de ações Cíveis e de Família, quando necessário; e o agendamento para exames de DNA. Há também a emissão de documentos pelo DETRAN Presente e a realização de rodas de conversa sobre diversos temas. Nesta última edição, a transformação de conflitos esteve em debate com os moradores.

– É muito bom ter a Defensoria aqui na Ilha porque, para nós, fica muito caro ir à cidade e às vezes a gente ainda tem gastos inesperados com isso, como no caso do meu neto. O socorro marítimo não costuma vir aqui, principalmente tarde da noite, e o jeito é pagar pelo transporte paticular. Graças a Deus está tudo bem agora – comenta Edimeia que, aos 66 anos, é mãe de seis filhos e avó de seis netos.

Mais aliviada na manhã de sábado com o desfecho da situação, ela esteve no “Defensoria nas Ilhas” em busca da segunda via da certidão de casamento e na ocasião falou sobre o assunto. Outros moradores relataram o mesmo em relação ao SAMU e também apontaram dificuldades para a instalação dos relógios de luz nas residências.

– A viagem para a Ilha é longa e muitas vezes, por causa disso, as pessoas que moram no local não têm acesso a uma série de serviços necessários a uma condição de vida minimamente digna. Precisamos ajuda-los – destacou a defensora pública Lígia Serrano Davalle, que participou da edição deste sábado.
 
Sem luz, mas com cobrança de IPTU

O problema da instalação dos relógios de luz nas residências tem preocupado bastante a dona de casa Mariela Garcia Martins, nascida e criada em Provetá assim como Edimeia e todos os filhos e netos da conterrânea. Aos 62 anos de uma vida inteira na Ilha, ela procurou a Defensoria com o carnê do IPTU em mãos para mostrar que tem direito ao relógio de luz no antigo barracão onde o marido guardava barco e redes de pesca e que agora, após reforma, será alugado aos turistas como residência.

– A gente procura a ENEL e nada é resolvido porque há muita burocracia, e nem sempre a gente consegue acompanhar a situação porque fica caro demais ir e voltar da cidade toda hora. A companhia diz que aqui é área de preservação ambiental, mas como isso pode ser verdade se pagamos IPTU? – questiona Mariela.

Segundo moradores, a ENEL informa que há área de preservação ambiental na região e que novos relógios de luz só poderiam ser instalados com autorização do Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Por outro lado, há cobrança de IPTU na região e de acordo com a defensora Lígia Serrano isso significa que o Poder Público considera o local habitável.

– Muitos tentam e não conseguem a instalação do relógio e eu mesmo não consegui, o que é um absurdo. Além do meu marido, moro com minha filha de quatro anos e não temos dinheiro para ir toda hora ao continente. Enquanto isso, o tempo vai passando – lamenta a dona de casa Jaciara Souza, aos 26 anos.

O pedreiro Manoel Caleb está na mesma situação e também procurou a Defensoria por causa disso. Ele sempre morou na casa do pai, que tem relógio, mas agora o espaço passou por obras e foi dividido em dois.

– Estou morando na parte nova com minha família e quero a instalação do relógio em nossa casa porque tenho uma filha de seis anos e o consumo para nós é maior. Já tentei e nada. Isso é descaso, é abandono – comenta.

Falta de sinal também é problema na Ilha

Outro problema relatado pelos moradores é o do acesso à internet porque não há sinal na Ilha, embora a TIM tenha instalado uma torre há cerca de um ano e meio. Para acessar a internet, é preciso pagar pelo fornecimento via satélite.

– Comprei telefone e chip da empresa e até agora nada. A resposta deles é que o local está em manutenção. Paguei caro pela instalação da antena via satélite e a mensalidade é de quase R$ 300 pelo serviço – lamenta Mayara Gonçalves, de 33 anos, lembrando que só há sinal para ligações telefônicas via celular em sua casa na área de serviço e, mesmo assim, a rede oscila.

Transformação de conflitos em pauta com os moradores

O projeto em Provetá contou ainda com uma roda de conversa sobre “Transformação de Conflitos” realizada pela coordenadora de Mediação da DPRJ, Christiane Serra. Com os moradores foram debatidos temas como a importância do diálogo na resolução dos conflitos e também para uma participação mais ativa deles nas questões referentes à coletividade.

– Esse trabalho de educação em direitos por meio das rodas de conversa, ao mesmo tempo em que leva informação à população sobre seus direitos, também nos permite conhecer de perto as principais demandas locais e isso é muito positivo até mesmo para nortear a atuação da instituição. Os moradores falaram sobre a questão das falhas nos atendimentos de emergência em saúde e dos problemas relativos aos serviços de luz, telefonia móvel e acesso à internet, que afetam diretamente o dia a dia de toda a comunidade e retratam as suas reais necessidades – destacou Christiane Serra.

O projeto "Defensoria nas Ilhas" tem o apoio do Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR) e da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ).

Texto e fotos: Bruno Cunha

Manoel Caleb reclamou da falta de relógio de luz em sua casa

 

Cerca de 200 pessoas foram atendidas pelo "Defensoria nas Ilhas",
no sábado (1º), das 9h às 15h

 

Edimeia dos Santos e o marido, Luiz Antônio, estiveram em busca
da segunda via da certidão de casamento

 

A dona de casa Mariela Martins mostra o carnê do IPTU e questiona
a demora para a instalação do relógio de luz

 

Com o celular em mãos, Mayara Gonçalves relatou problemas no local
referentes a sinal para ligações e acesso à internet

 

A coordenadora de Mediação, Christiane Serra, fez uma roda de conversa
com os moradores sobre transformação de conflitos

 

Vista da Praia de Provetá para o cais da Ilha

 

Fim de tarde em Provetá: embarcações com produtos e alimentos ancoram no cais
e moradores buscam as sacolas em carrinhos

 

Pescadores preparam as redes na Ilha: temporada de pesca acaba
em junho por causa da época de reprodução dos peixes
pelos próximos quatro meses

 



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