Com o objetivo de ouvir a população sobre o ocorrido na operação policial,
representantes da DPRJ, da DPU e de organizações
da sociedade civil estiveram no local
Foto: Bruno Cunha / DPRJ

 

As crianças do Conjunto Esperança dessa vez corriam nas ruas sem o medo que no dia anterior assustou quem vive na Maré, o maior complexo de favelas do Rio de Janeiro com 16 comunidades e 140 mil habitantes. A pé ou de bicicleta e um pouco mais à vontade do que na segunda (6), algumas circularam nesta terça (7) em meio ao local agora marcado no chão por ao menos 22 tiros que, segundo os moradores, foram efetuados de helicóptero por agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE). Em visita ao conjunto para apurar possíveis excessos e violações praticados pela Polícia na operação que resultou em oito mortes, defensores públicos do Estado e da União realizaram uma escuta qualificada com a população e também apuraram a ocorrência de invasões a residências e outros problemas. Os relatos serão apresentados ao Judiciário e seguirão ainda para o Ministério Público visando a colaboração na investigação.

Os tiros sinalizados com tinta verde no chão pela ONG Redes da Maré chamavam a atenção de quem passava na rua um dia após a operação da CORE.  “Esse é o tiro 22, tio”, apontava o menino para o disparo numerado pela entidade no local onde algumas crianças estavam e onde também há marcas nas paredes das casas. Realizada na segunda (6), a ação da Polícia Civil resultou em oito mortes e em muitos problemas apontados por moradores que, surpreendidos por volta das 10h, correram para dentro de casa com medo das balas perdidas. Além da invasão em algumas residências, eles contaram aos defensores que os agentes danificaram carros, que o atendimento nos postos de Saúde foi suspenso e que o helicóptero utilizado na operação funcionou como plataforma de tiro em área onde há um complexo de escolas com sete unidades. Por causa disso, cerca de 7.500 alunos ficaram sem aulas e os pais receberam telefonemas da direção informando sobre a dispensa dos estudantes. Preocupados, muitos não sabiam se podiam sair de casa para buscar os filhos ou se eles já estavam na rua vindo embora.

– Essa é uma área de grande concentração populacional e bem próxima às escolas, que não têm condição de proteção para os estudantes porque podem ser alvejadas por cima. Segundo os moradores, havia muitas crianças nas unidades de ensino no momento da operação e outras se preparando para a escola. Ouvimos muitos relatos de que a direção entrou em contato com os responsáveis informando sobre a dispensa dos alunos e isso preocupou ainda mais os pais, que não sabiam como proceder. Nitidamente a gente percebe que não há um protocolo de atuação em caso de ação policial – destacou a 2ª subdefensora-geral do Estado, Paloma Lamego, informando que a Defensoria vai entrar em contato com a Secretaria Municipal de Educação para tratar das questões referentes à implementação de um protocolo para casos do tipo.

Além disso, os moradores chamaram a atenção dos defensores para a semelhança da atuação policial desta segunda (6) com a realizada em junho do ano passado, quando sete pessoas morreram e entre elas estava o estudante Marcus Vinicius da Silva, de 14 anos (ele estava uniformizado e foi baleado nas costas a caminho da escola). Nas duas ações, segundo os relatos, a Polícia primeiro chegou de helicóptero e “encurralou” os suspeitos, e depois os agentes vieram por terra mesmo havendo possibilidade de rendição em ambos os casos.

– Os relatos corroboram um modelo de atuação da Polícia: nos dois casos há mais mortos do que presos; não há policiais feridos, felizmente; e nem dinâmica de confronto; e, além disso, as mortes ocorreram em locais fisicamente restritos. Ou seja, temos um conjunto de informações que precisam ser levadas em consideração pelos responsáveis pela investigação. Este caso precisa ser apurado com responsabilidade e de forma rápida para que possamos saber se a Polícia agiu dentro dos princípios da Legalidade, da licitude e da proteção à vida – observou o ouvidor-geral da DPRJ, Pedro Strozenberg.

Aos defensores os moradores da Maré são categóricos em afirmar que os disparos efetuados na segunda-feira (6) vieram do helicóptero. “Eu estava na laje e foi possível perceber que vieram do alto”, contou uma moradora. “Não havia policiais na rua, só o helicóptero e muitos tiros vindo de cima”, relatou outro. Sobre os tiros, a Defensoria vai requerer perícia no local porque o procedimento não foi realizado até o momento.

Relatos serão informados à Justiça

Os relatos apurados na terça-feira (7) serão apresentados à Justiça por meio da Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria – em parceria com a Redes da Maré – em decorrência de reiteradas violações de direitos humanos observadas nas operações policiais realizadas na comunidade. Em liminar favorável obtida pela instituição nessa ação coletiva, a Justiça determinou a criação de um Plano de Redução de Danos prevendo a obrigatoriedade de ambulâncias nas ações policiais e o uso de equipamentos de vídeo, áudio e GPS em todas as viaturas das polícias Civil e Militar.

Em vez de apresentar o Plano, a Secretaria de Segurança Pública regulamentou o uso do helicóptero em outubro de 2018, permitindo um disparo por vez e proibindo rajadas. Com isso, a Defensoria questionou na Justiça o uso do helicóptero como plataforma de tiros em razão do risco aos moradores e aos próprios policiais; por causa da falta de protocolos operacionais e das câmeras de fiscalização; e por expor a esse risco somente os moradores de favela. O questionamento da DPRJ está sob análise em 2ª instância.

Também participaram da vista à Maré a coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação da DPRJ (NUTH), Maria Júlia Miranda; a defensora pública Maria Lucia de Pontes; o defensor público Daniel Lozoya, atuante no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria (NUDEDH); a defensora pública Mariana Castro de Matos, também do NUDEDH; a coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, Lidiane Malanquini; a moradora da Maré e integrante do “Fórum Basta de Violência, Outra Maré é Possível”, Raiane Soares; o defensor público da união Thales Arcoverde Treiger; e Bruna da Silva, mãe de Marcus Vinicius, moradora da Maré e também atuante no Eixo.

Texto: Bruno Cunha

Fotos: Bruno Cunha / DPRJ e Douglas Lopes / Redes da Maré

 

Marcas de tiro no chão chamavam a atenção no Conjunto Esperança
Foto: Bruno Cunha / DPRJ

 

Há marcas de tiros também nas paredes.
Foto: Bruno Cunha / DPRJ

 

Representantes da DPRJ, da DPU e de organizações da sociedade civil
conversaram com moradores em alguns pontos da comunidade.
Foto: Douglas Lopes/Redes da Maré

 

O circuito incluiu a área onde há um complexo de escolas.
Foto: Douglas Lopes/Redes da Maré

 

Defensores e demais participantes da iniciativa conversaram
com os jornalistas ao final do percurso.
Foto: Douglas Lopes/Redes da Maré

 



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