O tiroteio que na quinta (2) quase atrasou a chegada de Miramar Pereira Castilho à Sede da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) voltou a acontecer na sexta (3) deixando o Morro do Borel mais uma vez em alerta quanto à Segurança dos moradores e a possíveis excessos e violações contra eles cometidos nas operações policiais. Questões como essas e também as de Saúde, Educação e assuntos de ordem particular fazem parte do dia a dia dos cerca de 40 agentes comunitários que, a exemplo de Miramar, participam da oitava edição do Curso de Formação Defensores da Paz e representam 43 favelas localizadas no Rio e no Grande Rio.
Aberta no auditório do segundo andar pelo defensor-geral do Estado, Rodrigo Pacheco, a iniciativa voltada à educação em direitos com o objetivo de fazer dos alunos multiplicadores dos conhecimentos adquiridos dessa vez acontece em parceria com a Firjan para agentes do programa Sesi Cidadania, que atuam em diversas comunidades.
– Minha expectativa para o curso é a melhor possível porque tudo o que vamos aprender aqui será útil em nossa atuação nas comunidades, e nelas há muitos problemas – comenta Miramar, emendando: “Apresento uma rádio comunitária e lá noticiamos muita coisa, de falta d’água a lixo na rua. Fora do ar, uso os 16 alto falantes instalados no Borel para alertar os cerca de 20 mil moradores sobre questões, como, por exemplo, a necessidade de retirar os carros estacionados do local onde acontece o baile – ressalta o radialista da Grande Tijuca FM.
Também participando do curso, a agente comunitária Rosângela Gomes – a Danda – atua na Babilônia e no Chapéu Mangueira e relata que atende muitos casos de pessoas com problemas relacionados a documentos e a questões jurídicas como as de pensão alimentícia.
– Vou compartilhar com os moradores o que eu aprender aqui para ajuda-los. Alguns problemas, se levados à Justiça, podem passar décadas à espera de uma solução e nesse caso o diálogo pode ser muito mais útil e eficaz – observa Danda.
Diálogo com as comunidades em pauta na DPRJ
O defensor-geral do Estado, Rodrigo Pacheco, deu as boas-vindas aos alunos na abertura da oitava edição do Curso de Formação Defensores da Paz e na aula inaugural chamou atenção para o fato de que 43 comunidades do Rio de Janeiro estão representadas pelos participantes. “Isso é impactante sobretudo em razão do momento no qual vive o Brasil e o Rio de Janeiro”, afirmou Pacheco, lembrando também que desde 2015 a Defensoria investe no diálogo com as comunidades “em vez de esperar o problema chegar para transformá-lo em uma petição, terceirizando e delegando esse problema para um juiz decidir”.
– É importante que os defensores púbicos estejam nos territórios dialogando com a comunidade, conhecendo a realidade e vendo o impacto de uma decisão na vida de cada pessoa – destacou Pacheco, continuando: “No Curso de Formação Defensores da Paz, a gente tenta superar a lógica do acesso à Justiça exclusivamente pelo Judiciário. Vocês serão replicadores nos territórios e o conhecimento aqui obtido vai servir para tentar solucionar o conflito nesses locais. Certamente, a atuação de vocês é muito mais efetiva do que uma decisão judicial ou do que uma petição de um defensor público – ressaltou.
Também presente na aula inaugural do curso, a chefe de gabinete da DPRJ, Carolina Anastácio, chamou atenção para a importância de os agentes comunitários conhecerem os direitos da população e destacou o papel da Defensoria nesse sentido.
– A Defensoria Pública tem entre suas principais missões legais a de promover a educação em direitos, a cidadania e a formação em Direitos Humanos, e a gente acredita nessa troca de experiências com a população – ressaltou Carolina.
Gerente de suporte operacional da Firjan, Ana Carla Alcântara lembrou que entre outros problemas atendidos pelos agentes nas comunidades há questões relacionadas a áreas conflagradas e muitas demandas dos moradores.
– Os agentes comunitários aqui presentes são pessoas com representatividade importante nas comunidades, que têm voz e reconhecimento, e são muito procurados pelos moradores. Esse é um curso que vai qualificar a atuação deles. Aproveitem bastante – desejou Ana Carla aos participantes.
Princípios institucionais na primeira aula
Com a abertura do curso, foi iniciada a primeira aula com o diretor-geral do Centro de Estudos Jurídicos da DPRJ (CEJUR), José Augusto Garcia. Entre outros pontos abordados com os alunos, ele explicou o que é a Defensoria Pública, o que ela faz, como é o seu funcionamento e quais os fins de sua atuação. Disse, por exemplo, que uma das “especialidades” da instituição é a promoção dos Direitos Humanos em todas as áreas, inclusive a criminal, já que a todos é garantido o direito de defesa e a dignidade da pessoa humana.
– Injustiças terríveis muitas vezes acontecem e um caso emblemático nesse sentido foi o da atuação da Defensoria diante da operação em que mais de 150 homens foram detidos num show de pagode e apresentados pelas autoridades como se tivessem envolvimento com a milícia do bairro de Santa Cruz, e quase nenhum deles tinha envolvimento algum. O nível de violações de direitos que acontecem em ações do Estado é imenso e intolerável, e o papel da Defensoria Pública é botar o dedo nessa ferida – destacou José Augusto.
A aula seguiu com palestra sobre transformação de conflitos e alternativas à via judicial ministrada pelas coordenadoras de Mediação da DPRJ, Christiane Serra e Julia Luz.
– É importante falar nessa mudança de paradigma e de visão sobre os conflitos, e na solução pacífica através do diálogo. Na sociedade de um modo geral, as pessoas têm pouco espaço para a reflexão e quando elas começam a ter contato com essa cultura da paz e do diálogo isso caminha, naturalmente, para o desenvolvimento desses espaços, o que faz a verdadeira transformação social. E os alunos aqui presentes são instrumentos importantíssimos para essa transformação – observa Christiane Serra.
Em sua intervenção, Julia Luz falou sobre a importância de “uma escuta ativa, verdadeira, empática, curiosa e sem julgamento”, e disse que a comunicação não violenta também é fundamental por ser uma forma de conversa que “nos aproxima da pessoa que a gente quer se aproximar e também dos nossos objetivos”, pois trata-se de uma fala sem julgamentos.
– Para que tudo isso seja possível, a gente precisa sair do automático e deixar de ser tão reativo, descontruindo a crença de que existe um lado certo e um errado, de que um ganha e outro perde. Conseguindo usar essas ferramentas a gente provoca uma grande transformação tanto nas nossas relações pessoais como nas outras pessoas, e até sistêmica. É possível – pontuou Julia.
Também estiveram presentes na mesa de abertura da oitava edição do curso a diretora de Capacitação do CEJUR, Adriana Britto; e o ouvidor-geral da DPRJ, Pedro Strozenberg. O curso compreende 10 encontros quinzenais a serem realizados na Sede da Defensoria, entre maio e setembro de 2019, sobre temas como os direitos da mulher, do consumidor e o direito à moradia. A iniciativa implementada em 2015 já formou turmas em diversas regiões do Estado.
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Texto: Bruno Cunha
Fotos: Jaqueline Banai