A cabeleireira Paula Marcela de Miranda foi surpreendida pelo forte temporal que atingiu a cidade na noite daquele 8 de abril quando se preparava para dormir em sua casa ainda em construção, localizada em Antares, no bairro de Santa Cruz. Com todos os cômodos inundados rapidamente e sem ter para onde ir, a moradora da Zona Oeste passou 12 horas na laje debaixo de chuva, com familiares, e só saiu de lá porque os vizinhos improvisaram o resgate em uma jangada feita com as folhas da bananeira do quintal. Atualmente sem móveis e documentos e ainda à espera da Defesa Civil, ela buscou orientação jurídica gratuita junto à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) em mais uma edição do projeto Defensoria em Ação que, dessa vez, atendeu as vítimas das chuvas de duas regiões bastante afetadas na ocasião.
Realizada na Rocinha nesta sexta-feira (26) e em Santa Cruz no sábado (27), a iniciativa contou com a participação da Ouvidoria-Geral da DPRJ e atendeu a cerca de 50 pessoas na comunidade da Zona Sul e a aproximadamente 70 na Zona Oeste da cidade. Além de prestar orientação jurídica integral e gratuita à população, a instituição também atuou no ajuizamento de ações relacionadas aos prejuízos decorrentes das chuvas para os casos em que a medida foi necessária. Também foi oferecida orientação sobre como retirar gratuitamente a segunda via dos documentos no DETRAN e nos cartórios, e sobre como obter certidões de outros estados e municípios.
– A nossa situação é muito triste e preocupante porque perdemos tudo naquele temporal: os móveis, a geladeira e até o carro que, naquela noite, ficou totalmente submerso na área porque a água subiu mais de dois metros. Ainda esperamos a Defesa Civil para avaliar a estrutura da casa, que sofreu danos. Como temos medo de voltar a morar lá sem o aval dos órgãos responsáveis, o jeito foi alugar um imóvel para não ficar sem teto – relatou Paula, que mora com o marido e os avós.
Preocupada também com a perda dos documentos, ela procurou a Defensoria Pública com a avó de 71 anos e durante atendimento realizado no CIEP Maestro Heitor Villa Lobos, das 9h às 15h, recebeu orientação jurídica da instituição nesse sentido.
– Iniciativas como essa representam um resgate à cidadania porque, sem documentos, as pessoas não exercem seus direitos. Ou seja, não conseguem arranjar emprego ou abrir uma conta no banco para receber benefícios, por exemplo. E as crianças ficam sem matrícula na escola – explica a defensora pública Ana Cristina Duarte, que participou do Defensoria em Ação no sábado.
Já na Rocinha, o defensor público Fabricio El-Jaick Rapozo disse que esse é um importante canal da Defensoria com a popualção.
– Esse é mais um importante canal aberto pela Defensoria Pública junto ao cidadão e, nesse caso, junto às vítimas das chuvas. Há pessoas sem documento e outras que perderam tudo e por isso estamos a postos para prestar orientação jurídica a quem precisar e, além disso, para garantir os direitos dessas pessoas – observou o defensor.
Em Antares, padeiro que perdeu documentos na enchente tinha entrevista de emprego
Outras pessoas na mesma situação estiveram no Defensoria em Ação de sábado e entre elas estava o padeiro Walter Góes, de 30 anos. Desempregado há quatro anos e também com a casa inundada na noite das chuvas, ele tinha entrevista de emprego na segunda-feira seguinte ao temporal e não pôde comparecer porque perdeu todos os documentos (restou apenas a identidade danificada). Mesmo explicando o que houve por telefone, não foi aceito porque a contratação seria imediata.
– Me disseram que entendiam a situação e que não podiam esperar, e desejaram boa sorte. Vou continuar fazendo bicos para sobreviver enquanto busco outra vaga ao mesmo tempo em que corro atrás de novos documentos. Além da identidade, preciso de CPF, carteira de trabalho, certificado de reservista e das certidões de nascimento e casamento – preocupa-se Walter.
Houve também quem estivesse em busca da certidão de nascimento pela primeira vez, e esse foi o caso de Késsia dos Santos Andrade e do filho Kessial. Ela aos 15 anos e ele, aos 15 dias, chegaram ao atendimento da Defensoria acompanhados do pai do menino, o camelô Daniel Moura, de 22 anos, para obter orientações sobre como dar entrada na certidão tanto para o bebê como para a mãe. Sem o documento, a adolescente nunca foi à escola.
– Não quero que aconteça o mesmo com meu filho e por isso estou aqui. O meu desejo é que ele estude e eu mesma, com os documentos em mãos, vou estudar também – diz Késsia.
Lembrando os momentos de apreensão na recepção da maternidade, Diego comemora:
– É muito importante ter essa consciência. Há pouco tempo mesmo, no nascimento do Kessiel, passamos momentos de apreensão na maternidade porque Késsia não tem documentos. Só saímos de lá na presença da minha sogra – relatou.
A ação social em Antares foi realizada em parceria com a Fundação Leão XIII e também contou com a participação de servidores da DPRJ e da defensora popular Vitória Pinheiro, voluntária na iniciativa. Ela participou do “1º Curso de Formação de Defensoras Populares – Educação em Direitos para Jovens e Mulheres” promovido no ano passado pela DPRJ por meio da Coordenação de Defesa dos Direitos da Mulher. A iniciativa tem como objetivo promover a aproximação da instituição por meio de atividades de educação em direitos e criar difusoras dos saberes.
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Texto e fotos: Bruno Cunha