Em audiência pública na DPRJ, autoridades se comprometem a resolver problemas
com emissão de carteirinha de visitação

 

Em 13 de novembro de 2018, o governo do Estado publicou um decreto transferindo a responsabilidade da emissão da carteirinha de visitação de presos da Secretaria do Estado de Administração Penitenciária (SEAP) para o Detran. Três meses após a mudança, o Núcleo de Sistema Penitenciário (Nuspen) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ)  tem recebido inúmeras reclamações de familiares pela demora na emissão da carteirinha ou na grande dificuldade em conseguir agendamento para solicitar o documento. Em audiência pública realizada nesta segunda-feira (11) na sede da DPRJ, autoridades ouviram os problemas enfrentados por familiares e se comprometeram a trabalhar pela melhoria do serviço, ampliando o número de postos e de vagas diárias de atendimento. 

Além das denúncias das péssimas condições dos presídios superlotados, da falta de remédio, comida e roupa para os detentos, os familiares também relataram a dificuldade quase em que são colocados pelo Estado para poderem exercer o direito fundamental de visita aos que se encontram privados de liberdade. Além de nossa Constituição Federal, o artigo 41, inciso X, da Lei de Execuções Penais também prevê que “A manutenção do convívio familiar é salutar e extremamente benéfica para a ressocialização do preso, constituindo, pois, direito a ser preservado e garantido ao encarcerado pelo Estado”. O processo de confecção da carteirinha para garantir esse direito, porém, que deveria durar 30 dias, tem durado alguns meses de tempo e dinheiro perdidos. 

Na audiência pública, familiares denunciaram que, se vendo sem saída para conseguir o agendamento pelo site ou pelo telefone, pagaram de R$15,00 a R$30,00 pelo serviço, que é fornecido de forma gratuita pelo Estado. É que a partir das 6h da manhã abre, diariamente no site do Detran, vagas para o agendamento que são rapidamente preenchidas. Quando o atendimento começa a funcionar por telefone a partir das 8h da manhã, que muitas vezes a forma mais fácil encontrada pelas famílias que não tem acesso à computadores com internet, muitas vezes já não há mais vagas de agendamento. No desespero para visitar seus familiares, algumas pessoas têm pago, então, pela marcação de forma ilegal. O serviço é oferecido em grupos de Facebook e no boca a boca e as marcações são confirmadas mediante transferência bancária.

“A gente também é tratado como preso e isso não pode continuar porque nós também somos cidadãos!”, “Quem tá na favela e tem um filho preso não sabe nem ler, doutor! E quando tem operação policial na favela a primeira coisa que eles fazem é jogar nossos documentos no lixo, e aí, como faz?”, “É preciso compaixão e humanização no atendimento com os familiares das vítimas”. Frases como estas mostraram as muitas demandas de quem passa perto do sistema carcerário. Para o coordenador do Nuspen, Marlon Barcellos, a audiência pública é um instrumento importante para dar voz aos familiares e colocar as autoridades na escuta para que se possa caminhar com o objetivo de solucionar estes problemas, principalmente quando o direito de visita é violado.

De acordo com a coordenadora do Centro de Análise, Processamento e Emissão de Carteira, da SEAP, Elizabeth Romano, o Detran tem trabalhado em parceria com a SEAP para melhorar o serviço. De acordo com ela, tanto o Detran quanto a SEAP foram pegos de surpresa com as mudanças do decreto, sem que tivessem tido tempo para fazer uma transição do processo. O Diretor de Identificação Civil do Detran, Alexandre Mattioli, reconheceu os problemas e se desculpou pelos atrasos:
 
A ideia de transferir a responsabilidade para o Detran surgiu porque pensaram na capilaridade que temos no estado. Pensaram que o fato de termos 34 postos pelo estado poderia facilitar a emissão do documento, embora não tenham levado em conta que o Detran não faz todo o processo sozinho. Somos os responsáveis pela primeira etapa do processo, a parte da análise civil. Após isso, encaminhamos as solicitações, via malote, para a SEAP, para fazerem a análise se a pessoa tem o direito de visita para aí sim voltar ao Detran para emitirmos e distribuirmos as carteirinhas. 

Segundo o diretor do Detran, atualmente são 34 postos de atendimento no estado e 510 vagas abertas diariamente para agendamento. O número é insuficiente para atender a demanda dos 51.751 presos ativos na SEAP e 86.860 visitantes ativos. De acordo com o Detran, chegam cerca de 4 mil pedidos por dia, contando com os robôs e nomes falsos, que atrapalham no processo de agendamento, ocupando vagas de forma indevida. Mesmo assim, Matioli informou que desde novembro estão trabalhando na capacitação dos funcionários do Detran e que até março o órgão trabalha para acabar com a demanda reprimida das carteirinhas.

Para o promotor de Justiça de Tutela Coletiva do Sistema Prisional e Direitos Humanos, Murilo Bustamante, a problemática, criada a partir de decisão do Estado, chegou ao Ministério Público em dezembro de 2018. Para ele, era de se esperar que a demanda aumentaria mais ainda com a capilaridade do Detran no estado, pois aumentaria o acesso: 

Os problemas foram previstos mas não foram trabalhados para serem resolvidos. Desde novembro, não temos um documento de articulação de fluxo de trabalho entre a SEAP e o Detran. É preciso que seja apresentado o regulamento, pois sem regulamento, não há responsabilização dos gestores. É preciso, também, aumentar o número de agendamentos e de postos e pensar em gatilhos para reaproveitar as vagas canceladas. A universalização é uma proposta muito boa utilizando uma estrutura capilarizada do estado que já existe, mas é preciso trabalhar para melhorar o serviço. 

Participaram da audiência o defensor público federal, Thales Treiger, o procurador Regional da República e coordenador da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal, Marcelo Freire, o promotor de Justiça de Tutela Coletiva do Sistema Prisional e Direitos Humanos, Murilo Bustamante, Flora e Alexandre Mattioli, do Detran, a coordenadora do Centro de Análise, Processamento e Emissão de Carteira, da SEAP, Elizabeth Romano, o ouvidor externo da DPRJ, Pedro Strozenberg, representantes do Mecanismo de Combate à Tortura e da Frente Estadual pelo Desencarceramento, familiares de presos, servidores da SEAP e representantes do movimento Mães de Manguinhos.

 

Texto: Thathiana Gurgel



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