A falta de energia elétrica é uma realidade ainda muito preocupante no país e, mesmo nos dias atuais, atinge principalmente pessoas residentes em locais mais afastados dos grandes centros urbanos, como no caso das 60 famílias que vivem no loteamento Bons Passos, em São Francisco de Itabapoana. Localizado no Norte Fluminense a cerca de 326 km do Rio de Janeiro, o local sofre sem luz regular desde o início da habitação, há nove anos, e por enquanto nada foi resolvido embora a situação tenha sido levada pelos moradores ao conhecimento do Município e da concessionária Enel Brasil. Em Ação Civil Pública ajuizada para que o serviço chegue aos lotes na época adquiridos de um homem que havia prometido a eletricidade, a Defensoria Pública estadual (DPRJ) obteve decisão liminar favorável que abre caminho à viabilidade da medida.
Em antecipação de tutela proferida no dia 10 de setembro, a Vara Única de São Francisco de Itabapoana determinou ao Município a elaboração de um projeto de loteamento e outro de urbanização no prazo máximo de 60 dias. Nesse período, o Poder Público deverá apresentar a documentação necessária à regularização da comunidade e ao planejamento urbano com dados de topografia, da drenagem do solo e das condições para a instalação do saneamento básico e das redes de telefonia e eletricidade. Só depois disso será analisado pela Justiça o pedido da Defensoria para que seja decretada a obrigatoriedade do fornecimento de energia aos moradores.
– Essa situação gera até mesmo violação de outros direitos, identificáveis apenas ao se visitar o local e ter contato direto com os moradores. Eles reclamam, por exemplo, da falta de comprovante de residência, já que não recebem conta de energia ou conta de água, e, além disso, as "ruas" não têm nome e os imóveis não têm números. Esse problema que parece "simples" é um obstáculo para receber atendimento nos aparelhos públicos. Até para se ajuizar uma ação é necessário um comprovante de residência – destaca o defensor público Ricardo de Mattos Pereira Filho, atuante no caso.
A decisão determina ainda ao Município a inclusão da verba necessária à execução do projeto de urbanização do Loteamento Bons Passos nas leis orçamentárias de 2019, e informa que isso deve ser feito em prazo de cumprimento a ser iniciado após a apresentação do projeto em questão. Além disso, foi estabelecido que o cadastramento tributário dos imóveis localizados na comunidade deve ocorrer – também em 60 dias – para fins de lançamento do IPTU. Em caso de descumprimento de qualquer das medidas informadas na decisão, poderá ser caracterizado ato atentatório à dignidade da Justiça e se isso acontecer será aplicada multa pessoal ao agente responsável.
Gêmeas de três anos e bebê de seis meses dependem de nebulização
Sem luz desde sempre pela omissão dos responsáveis por resolver o problema, os moradores recorrem às ligações clandestinas para que possam acender uma lâmpada à noite, conservar os alimentos na geladeira, bombear água do poço para dentro de casa e refrescar o ambiente com o ventilador, ou seja, para que possam ter acesso ao mínimo necessário à própria sobrevivência. Depende da eletricidade, ainda, a vida de pessoas em regime de internação domiciliar ou das que precisam fazer uso de nebulizador com frequência, como no caso de duas gêmeas de três anos e também do irmão delas, um bebê de apenas seis meses.
– Os três têm bronquite e asma e precisam da nebulização. É uma situação revoltante e nós, moradores, estamos humilhados assim. Comprei meu lote e agora quero meus direitos. Aqui perto mora um senhor com problema de coração gravíssimo, e ele precisa da energia elétrica porque faz uso de aparelhos, e uma idosa acamada até precisou se mudar – preocupa-se o pai das gêmeas e do bebê, atualmente desempregado.
Na Ação Civil Pública, a Defensoria informa ainda que os moradores tentam regularizar o fornecimento de luz desde 2009 e que mesmo assim o Município e a Enel permaneceram inertes, “quando muito, fazem as mais diversas exigências, impossíveis de serem cumpridas pelas famílias que ali habitam”. E foi exatamente o que aconteceu com um morador ao buscar atendimento na tentativa de resolver a situação: ele foi aconselhado a comprar poste e relógio e, ainda assim, está há sete anos esperando a luz chegar.
“Na maior parte das vezes, a Enel (Ampla) exige a apresentação de planta do loteamento, com medidas topográficas, e plano de arruamento registrado na Prefeitura Municipal. O Município, por sua vez, afirma que a confecção da planta e do plano, bem como as obras de infraestrutura, caberiam ao loteador (o homem que vendeu os lotes aos moradores) e este, por último, alega não possuir condições de arcar com esses gastos e permanece inerte. Em resumo: todos os atores que possuem competência, obrigação e meios para realizar a instalação da rede elétrica lavaram as mãos, deixando que todo o prejuízo recaísse única e exclusivamente sobre os moradores, os únicos que nada de ilícito fizeram e não detêm os meios necessários ao cumprimento das exigências apresentadas”, informa um trecho da petição protocolada pela Defensoria.
Texto: Bruno Cunha