Em seis meses de funcionamento, a Câmara Técnica de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, tem garantido que mais de 78% das demandas relativas a fornecimento de medicamentos de uso contínuo e à marcação de consultas, exames e cirurgias sejam atendidas com rapidez, sem necessidade de ação judicial. O índice é o maior dentre todos os apurados nas demais Câmaras de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS) do Grande Rio e do interior, que conseguem resolver, administrativamente, cerca de 65% das demandas, de acordo com dados reunidos pela Coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria Pública do Rio.
— As Câmaras Técnicas de Resolução de Litígios em Saúde têm demonstrado que grande parte das demandas que envolvem saúde podem ser resolvidas sem judicialização, proporcionando atendimento de qualidade aos assistidos e garantindo acesso à saúde pública. Além disso, permitem oferecer ao usuário orientação sobre os serviços disponíveis e aponta, ao defensor, as falhas existentes na rede —, resume a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Raphaela Jahara.
Todas as semanas, pelo menos 50 pessoas procuram a Câmara Técnica de Campos, instalada na sede dos Núcleos de Primeiro Atendimento. Muitas delas apresentam mais de um pedido: casos de cirurgia costumam vir acompanhados da exigência de exames, por exemplo. Para atender a procura, a rotina do serviço prevê que os laudos da equipe técnica da secretaria de saúde municipal, que trabalha no local, lado a lado com os servidores da Defensoria designados para a câmara, sejam emitidos em questão de poucos dias. Solicitações de medicamentos, por exemplo, recebem parecer, favorável ou não, em até 48 horas.
Desde que a câmara foi inaugurada, em 1º de fevereiro último, o número de ações judiciais em saúde caiu “de maneira significativa” em relação ao mesmo período do ano passado, explica o defensor público João Francisco Colnago, do Núcleo de Primeiro Atendimento de Campos.
A cada mês, a Defensoria de Campos tem ajuizado, em média, cerca de 80 ações referentes à saúde, ou cerca de 20% de todas as solicitações que chegam à Câmara Técnica. Nos anos anteriores, quase todas as demandas se transformavam em ações judiciais.
Relatório da coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria aponta que apenas entre fevereiro e maio, passaram pela Câmara Técnica de Campos 902 pacientes (ou, na impossibilidade desses, seus familiares), o que levou à produção de 1439 pareceres (cada pedido de exame, consulta, medicamentos, insumo, cirurgia, internação ou transferência de hospital gera um parecer). No período, 309 demandas não foram contempladas pela câmara e se transformaram em ações na Justiça.
— A Câmara Técnica nos permitiu perceber que havia uma demanda reprimida que nem chegava à Defensoria, e talvez por isso o percentual de casos solucionadas administrativamente seja tão alto. Permitiu também identificar quais são as necessidades mais urgentes e comuns que não é possível encaminhar de maneira administrativa. A câmara é muito importante para apontar “gargalos” na assistência de saúde que possam ser eliminados por outras vias, inclusive através de ações civis públicas. A inauguração da Câmara nos permitiu reunir informações também para instaurarmos alguns procedimentos de instrução — destaca o defensor público.
Logo nas primeiras semanas de funcionamento da câmara de Campos, a grande quantidade de pessoas que passaram pelo serviço com indicação médica de cirurgia de catarata levou a Defensoria a propor uma solução coletiva e mais prática para o problema: a retomada do convênio municipal com unidade privada de saúde especificamente para esse tipo de operação, que estava suspenso.
Outro “gargalo”, a não realização de cirurgias de revascularização arterial de membros inferiores para portadores de diabetes (que sofrem com problemas circulatórios nas pernas), fez com que o defensor público João Francisco Colnago entrasse na Justiça, em junho, com ação civil pública, com pedido de liminar, para obrigar o Município de Campos a restabelecer esse tipo de procedimento, em rede própria ou por meio de contrato com a rede privada. Pacientes diabéticos com patologias vasculares correm alto risco de amputação e de morte.
Levantamento junto aos hospitais da rede pública de saúde e à rede conveniada indicou que uma única unidade, o Hospital São José do Havaí, em Itaperuna, oferece cirurgia de revascularização arterial por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) nas Regiões Norte e Noroeste do estado, o que não atende a procura.
— Semanalmente, o núcleo de primeiro atendimento da defensoria de Campos ajuíza ações individuais para obrigar o município a realizar esse tipo de cirurgia, que acaba sendo custeado com verba pública após bloqueio judicial de valores, certamente em montante até superior que a tabela pretendida pela Santa Casa de Misericórdia da cidade, com que o município mantinha contrato para tal procedimento — destaca o defensor público.
João Francisco Colnago ressalta que embora “jamais vá conseguir atender 100% das solicitações recebidas”, a Câmara Técnica reúne muitas vantagens: garante resposta breve aos pacientes, reduz em muito o ingresso de ações e facilita o mapeamento de pendências que possam ser enfrentadas com propostas extrajudiciais ou judiciais coletivas. Os cerca de 20% de casos individuais não resolvidos administrativamente são enviados quase de imediato para judicialização.
— A produção de laudos técnicos, favoráveis ou não, em tempo ágil, facilita muito todo o andamento das demandas. Se chega ao meu conhecimento que uma solicitação não será atendida, o caso é logo judicializado. A procura por serviços de saúde em Campos é grande e o trabalho da Câmara Técnica tem tido muito sucesso em atender as necessidades da população que precisa da rede pública — conclui Colnago.