Uma ação judicial movida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro vai permitir que uma mulher doe parte do fígado ao sobrinho-neto de 9 meses. O juiz da 2ª Vara Cível de Duque de Caxias compreendeu a urgência do caso e expediu alvará que autoriza o hospital onde a criança está internada a realizar o procedimento. A cirurgia não foi realizada porque a tia-avó da criança não tinha o nome da mãe dela na certidão de nascimento, o que impossibilitou a comprovação de laço consanguíneo entre receptor e doador, como prevê a Lei do Transplante (Lei 9.434/1997), após alteração em 2001.
O bebê sofre de Icterícia, doença também conhecida pelo nome amarelão, e foi diagnosticado com três meses de idade. Como a doença está em estágio avançado, o transplante de fígado se faz necessário, segundo médicos que cuidam a criança. Exames revelaram também a compatibilidade entre o bebê e o avô dele, por parte de pai, mas o homem não se enquadra no perfil de doador ideal por causa do sobrepeso, segundo os familiares.
A doadora compatível, Jose da Silva Bonfim, de 39 anos, é filha da mesma mãe que o avô do bebê, portanto, tia-avó da criança. De acordo com Jose, quando ela foi registrada, a mãe dela não era oficialmente divorciada. À época, existia uma lei que não permitia que mulheres "desquitadas", separadas sem decisão judicial, tivessem seus nomes registrados nas certidões de nascimento dos filhos. Por isso, o hospital não autorizou o procedimento, já que não havia comprovação documental de que Jose era de fato parente de segundo-grau do menino.
Jose conta também que além do nome da mãe, ela pretende mudar a última letra do primeiro nome, para evitar transtornos futuros e acabar de vez com constrangimentos.
– Como na minha certidão consta a resolução da Lei, não tive problemas para fazer os outros documentos. Mas eu vou resolver isso quando me recuperar dessa cirurgia. Quero mudar uma letra do meu nome também. Porque sem o acento na última letra as pessoas se confundem com facilidade e acabam errando a pronúncia, me chamando por um nome masculino. E isso é bastante constrangedor – disse.
A cirurgia estava marcada para o fim de junho, mas foi adiada devido à falta de vagas. No entanto, a família mantém a expectativa de que o transplante ocorra ainda neste mês, já que uma nova consulta marcada pela unidade, datada para o dia 25 de julho, solicita presença de doadora e do receptor.
O que a Lei do Transplante institui
No Brasil, a Lei do Transplante é bastante rígida com relação às normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde. Uma delas exige que o doador compatível com o paciente esteja em boas condições de saúde. Além disso, a lei antevê disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo de uma pessoa para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuges ou parentes consanguíneos de até quarto grau. Caso não exista vínculos, a doação poderá ser realizada mediante ordem judicial.
Segundo a defensora pública Marina Lopes, que atuou no caso, essa lei impede que receptores “furem fila” e evita também a venda ilegal de órgãos. Diante disso, foi preciso autorização judicial que permitisse a tia-avó da criança doar parte do órgão, uma vez que a mulher não possui o nome da mãe dela na certidão de nascimento, logo, não se pode comprovar o grau de parentesco entre a doadora e receptor.
A defensora destacou também a importância de se retificar erros na documentação básica para evitar que situações como a de Jose se repitam. Ela esclareceu que, até o fim da década de 1970, mulheres que não eram divorciadas oficialmente não podiam registrar filhos oriundos de outros relacionamentos.
– Essa Lei foi alterada, mas as pessoas que nasceram nessa época e ainda não modificaram suas certidões precisam fazê-lo. Com a correção dos dados, a pessoa evita qualquer problema que possa surgir –, concluiu.
Texto: Marcelle Bappersi
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