Abertura do IV Encontro de Atuação Estratégica, no Windsor Flórida Hotel, no Flamengo

 

A adoção de ações integradas e conjuntas na defesa dos interesses da população – amparadas pela independência funcional e pela autonomia constitucional da Defensoria Pública – esteve em destaque na abertura do IV Encontro de Atuação Estratégica da instituição como exemplo de prática exitosa em tempos de crise, de intervenção federal e de restrições na economia decorrentes da Lei de Recuperação Fiscal. Recepcionando cerca de 500 defensoras e defensores no evento com discurso apontando para o bom desempenho da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) em meio às adversidades político-econômicas (nacionais e locais), o defensor-geral do Estado, André Castro, chamou atenção para os esforços institucionais empreendidos com o objetivo de manter e de ampliar, diante do cenário atual, a quantidade e a qualidade dos serviços prestados a cidadãs e cidadãos.

Entre outros pontos, destacou no campo da informatização a implementação do Sistema Verde já disponível para todos os Núcleos de Primeiro Atendimento, Juízos únicos, varas criminais e órgãos de atuação junto às audiências de custódia e que em breve será ampliado para as varas judiciais. Segundo Castro, o Verde bate recordes de utilização a cada mês principalmente para a distribuição de petições com mais facilidade por esse sistema do que pelo portal do Tribunal de Justiça.

Em outra frente, anunciou a criação de um aplicativo em parceria com a Central de Relacionamento com o Cidadão (CRC) voltado ao público da instituição que, se assim preferir, poderá fazer cadastro, agendar atendimento e consultá-lo diretamente no app a ser baixado em celular. Ainda foi anunciado o lançamento da terceira edição do concurso de Residência Jurídica agora com prazo de duração estendido de dois para três anos. Após a implementação da primeira fase com foco no fortalecimento das Comarcas do Interior e a ampliação na segunda etapa para a Baixada Fluminense, a próxima consistirá na reposição das vagas já existentes e há planos para a extensão do programa à classe especial.

 – Sobreviver nesse contexto (de crise), além de esforços redobrados, exige também uma capacidade de inovação para manter e ampliar a quantidade e a qualidade dos serviços que a Defensoria Pública presta à população. (...) Enfrentar as dificuldades nos próximos anos continuará sendo um desafio de complexidade ainda maior sobre tudo o que já vivemos, mas chegamos até aqui e temos a cabeça erguida pelo papel que estamos cumprindo. Temos todos os motivos para seguir confiantes, pois seremos tão fortes e tão grandes quanto o compromisso de atendimento à população vulnerável do estado – destacou André Castro na abertura do encontro, na sexta-feira (18).

O defensor-geral também citou importantes atuações da Defensoria Pública nos últimos anos a partir de ações institucionais integradas e conjuntas. Entre elas, o ajuizamento de ação coletiva resultante na obtenção de arrestos mensais para a manutenção do custeio do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), referência em transplantes e cirurgias cardíacas e até hoje funcionando por meio dos arrestos da Defensoria. Já em outra ação coletiva, dessa vez para o pagamento do aluguel social, houve decisão judicial no mesmo sentido.

Nesse caso, o trabalho da DPRJ também chegou à Assembleia Legislativa (Alerj) com a defesa do fim do Decreto extinguindo o Aluguel Social e alcançou resultado inédito: pela primeira vez na história do Legislativo estadual houve a extinção de um Decreto governamental. Além disso, foram citadas atuações exitosas como no caso da Operação Verão (que em 2015 impedia jovens vindos em ônibus das periferias de acessarem as praias); o acordo interinstitucional para ampliação da Central de Vagas de regulação de adolescentes nas unidades socioeducativas; a luta pelo fim da prescrição anual dos saldos do Bilhete Único (em oposição aos empresários de ônibus, um dos mais poderosos grupos do Estado,) e outras.

Referindo-se especificamente às questões relacionadas à autonomia e à independência funcional, Castro lembrou de avanços como o repasse do duodécimo; a gestão da folha de pagamento; a iniciativa orçamentária; o Plano Plurianual e até mesmo prerrogativas básicas, como a de abrir concurso e dar posse aos aprovados (situação que recentemente levou a Defensoria aos tribunais). Além disso, ressaltou que a independência funcional é o fio condutor de todas as ações e disse que nada é eterno – “tudo é dramaticamente estável” –, citando em seguida o recente caso do Projeto de Lei que criou a Controladoria Geral do estado com um texto no qual a Defensoria ficaria subordinada ao Executivo. A DPRJ reagiu a tempo e os trechos foram considerados inconstitucionais pela Alerj.

– O estado de insegurança e as perspectivas de retrocessos nas garantias de direitos são uma consequência da própria instabilidade do nosso país na economia, na política e, ainda, nas suas instituições – observou Castro no encontro, que este ano aconteceu no Windsor Flórida Hotel, no Flamengo.

– Afirmam alguns, aqui e em outros países, diante do delicado cenário nacional, que a democracia e as instituições no Brasil estão mais fortes do que nunca. Essa afirmação é agradável aos ouvidos, mas parece ter pouca correspondência com a realidade. Em quase 30 anos de vigência da Constituição, os últimos três anos têm sido os mais turbulentos desse período democrático. E o modo seletivo de funcionamento das instituições apenas revelam a baixa intensidade do nosso regime democrático – disse.

Segurança Pública no Brasil foi tema de palestra

Chamando atenção para a ocorrência de 61 mil homicídios por ano no país, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares falou sobre violência, criminalidade e Segurança Pública ao proferir palestra com o tema “Segurança Pública e Democracia no Brasil”. Segundo ele, a maioria das vítimas são negras, pobres e moradoras de periferias e territórios vulneráveis e a sociedade, atualmente em transformação, permanece praticamente inerte e imóvel “diante de um drama como esse”.

– Nós sabemos que, infelizmente, a desigualdade no Brasil é tão profunda e antiga que ela inclusive se projeta nas diferenças de sensibilidade com as quais tratamos esse problema. Se as vítimas dessa forma de violência fossem outras pessoas, talvez a sociedade, por meio de sua representação política, já tivesse tomado alguma iniciativa – enfatizou.

Especialista em Segurança Pública, Soares apresentou dados mostrando que apenas 8% dos homicídios dolosos são investigados e os 92% restantes permanecem impunes, o que não leva à dedução de que estamos no país da impunidade porque a população carcerária brasileira é a terceira do mundo em números absolutos e também a mais crescente desde 2012 (há seis anos havia cerca de 212 mil detentos e hoje há, em média, mais de 700 mil).

Além disso, o palestrante frisou que o índice de detentos em prisão provisória é de 40%; de quem chega à liberdade por decisões “mais definitivas” é de 30%; o de internos em cumprimento de pena por homicídio doloso é de 12%; e que já chega aos cerca de 29% o percentual de presos cumprindo pena por transgressões à Lei de Drogas.

– Estou me referindo sobretudo aos varejistas presos em flagrante sem que estejam praticando violência, sem arma e sem relações orgânicas com o crime organizado. Para que sobrevivam no universo prisional, vinculam-se às facções criminosas e a participação nesses grupos garante a eles sobrevivência, defesa e proteção pessoal, mas por outro lado é cobrada a lealdade subsequente à libertação – ressaltou.

– Com isso, essas pessoas se organizarão e possivelmente vão agir de forma distinta e isso significa que estamos contratando violência futura. Ao fazê-lo, destruimos vidas – observou.

Como causa para o problema Soares apontou a “reprodução do nosso mecanismo institucional” e em seguida lembrou a atuação da Polícia Militar, a mais numerosa em todo o país. Como a corporação não tem atribuição para investigar, ele diz, é cobrada por governos, autoridades, sociedade e mídia e “normalmente entende que produtividade não é a redução dos índices de criminalidade, mas sobretudo a prisão”.

– O grande instrumento de operacionalização desse mecanismo da PM é a Lei de Drogas e por aí se trabalha com mais fluidez e facilidade. Se joga a rede para capturar os varejistas, mas sabemos muito bem que não se trata propriamente de um lançar de rede de forma arbitrária e, portanto, em um sentido democrático, distribuído de forma aleatória. Há uma concentração marcadamente de classe, de cor etc. – destacou.

– É claro que nos condomínios dos bairros provavelmente há esse negócio das substâncias ilícitas e da comercialização varejista, mas a Polícia Militar não entra no condomínio e para fazê-lo precisaria de um mandado judicial, o que talvez pressuponha uma investigação – disse.

Texto: Bruno Cunha



VOLTAR