Questionado sobre o assunto em entrevista concedida na Fesudeperj, o professor de Direitos Humanos da American University Washington College of Law (e também ex-relator Especial das Organizações das Nações Unidas – ONU) – falou do tema e dos pontos por ele abordados em capacitação internacional sobre o Protocolo de Istambul, ministrada na instituição em 16 e 17 de maio
A implementação de medidas como a de intervenção federal acaba resultando em abusos praticados pelas Forças de Segurança – e contra a população em geral – na opinião do professor de Direitos Humanos da American University Washington College of Law, Juan Méndez. Questionado sobre o tema em entrevista concedida na Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (Fesudeperj), o também diretor da Iniciativa Antitortura da universidade disse que a experiência no acompanhamento de ações do tipo revela o uso excessivo da força e a falta de controle dos agentes em atuação nas operações.
Ex-relator Especial das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre tortura e outros tratamentos desumanos, cruéis ou degradantes, Juan Méndez esteve na Fesudeperj como docente da capacitação internacional “Investigação e Documentação de Tortura: Aproximação Teórica ao Protocolo de Istambul”, ministrada em 16 e 17 de maio para operadores do Direito e médicos legistas.
Entre outros pontos abordados na entrevista, ele falou ainda sobre a importância dos mecanismos de combate à tortura e sobre o Direito Internacional aplicável ao Brasil para esse tipo de caso. Confira abaixo:
1) Na Fesudeperj você ministrou o módulo “Conceito de tortura: fontes internacionais” durante a capacitação internacional sobre o tema. Quais os principais pontos apresentados aos alunos?
Fiz uma apresentação introdutória sobre Direito Internacional aplicável ao Brasil para os casos de tortura e outros atos cruéis desumanos ou degradantes e disse que há um marco normativo bastante desenvolvido, primeiramente pela proibição absoluta desse tipo de ato. Falei também sobre as consequências dessa proibição e elas correspondem às obrigações solenes do Estado Brasileiro – em respeito aos seus habitantes e à comunidade internacional – de não somente prevenir a tortura, mas também de investigar, processar e punir por cada ato nesse sentido.
2) Que outros pontos foram abordados?
Sobre as provas, informei que é necessário excluir todas que foram obtidas mediante tortura e abordei outros temas, como a importância de não extraditar ou deportar pessoas para lugares onde corram risco de serem torturadas ou submetidas a maus tratos.
Além disso, frisei que devem ser reparados os danos produzidos por ato de tortura e isso inclui não somente a reparação integral pecuniária, mas também a reabilitação da vítima em relação ao que possa precisar.
3) Como avalia a atuação do Brasil no combate à tortura? O que é preciso melhorar?
Em primeiro lugar é preciso fortalecer o campo jurídico – tanto na área de atuação de juízes como do Ministério Público – para que assim sejam detectados casos de tortura. Deve haver ainda maior controle institucional e também administrativo para que as altas autoridades apliquem a devida punição aos subordinados que empregam tortura em suas ações.
Torturadores não podem continuar nos corpos da Segurança.
4) Qual a importância dos mecanismos de proteção e combate à tortura?
O Brasil tem aderido aos tratados de Direitos Humanos com o compromisso de investigar, de processar e punir por cada ato de tortura e, nesse sentido, os mecanismos são de crucial importância porque atuam para a erradicação da tortura.
5) O Rio de Janeiro atualmente está sob intervenção federal e há relatos de abusos cometidos por agentes. Qual a sua opinião sobre isso?
No momento não estou monitorando os acontecimentos e portanto não posso comentar sobre fatos atuais. Mas, falando não como ex-relator especial da ONU e sim como cidadão e expert (perito), a experiência demonstra que a intervenção na Segurança Pública resulta em uso excessivo da força e elimina o controle sobre os agentes, principalmente porque a jurisdição militar no Brasil e em outros países é um pretexto de impunidade para as ações de agentes do Estado que violam a lei.
6) Em 2015 você esteve no Brasil como relator especial das Nações Unidas (cargo que ocupou até outubro de 2016). Quais foram suas impressões na época?
Em 2015 os presididos estavam em situação precária e havia vários casos de tortura e tratos cruéis, desumanos e degradantes, além de mortes de responsabilidade do Estado. Em relatório sobre o assunto, informamos sobre o uso de métodos coercitivos de interrogação mediante atos de tortura e com frequência muito preocupante e em todos os estados do Brasil.
Por isso fizemos várias recomendações, inclusive para o fortalecimento das audiências de custódia em todo o país como ferramenta de combate a essa situação.
Curso na Fesudeperj reuniu profissionais da Saúde e operadores do Direito
Aberta pelo defensor-geral do Estado, André Castro, a capacitação internacional “Investigação e Documentação de tortura: Aproximação teórica ao Protocolo de Istambul” reuniu operadores do Direito e médicos legistas em aulas voltadas aos aspectos jurídicos e médico-forenses (nacionais e internacionais) do crime de tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Também foram abordadas questões sobre identificação, documentação e investigação efetiva de casos do tipo.
– Diante do cenário atual de práticas generalizadas de tortura e de modo sistemático, seja no momento da captura/apreensão ou em unidades de privação de liberdade, a capacitação com conhecimentos relativos a aspectos jurídicos e médico-forenses dos crimes de tortura, bem como de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, permitirá à Defensoria Pública atuar de modo eficiente na prevenção dessas violações a direitos humanos e na defesa integral das vítimas – destaca o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da DPRJ (Nudedh), Fabio Amado.
Entre os temas ministrados para as duas turmas do curso, sendo uma da área jurídica e outra da medicina, estavam o conceito de tortura a partir de fontes internacionais; obrigações do Estado contra a tortura; indícios físicos de tortura; o Protocolo de Istambul; Tortura e Ética Médica; e exames de corpo de delito; entre outros. Em alguns momentos as classes juntaram-se para debate.
– O curso também trouxe uma série de quesitos da ordem psicológica porque no contemporâneo há muitas formas de tortura que não deixam marcas visíveis. Nas aulas, médicos especialistas ensinaram a perceber questões mais objetivas e emocionais para esses casos e além disso o curso ofereceu parte jurídica baseada em alguns casos da Corte Interamericana. Há todo um arcabouço jurídico e uma jurisprudência internacional que nos ajuda a alimentar esses casos e a torná-los mais consistentes para os litígios que visam reparações para quem sofreu tortura e para as famílias de quem faleceu por esse motivo – destaca Ana Claudia Camuri, perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Em uma das turmas havia operadores do Direito da Região Sudeste e entre eles estavam membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e dos tribunais de Justiça estaduais, além da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público Federal (MPF). A outra turma contou com médicos legistas da Região Sudeste e também do Centro Oeste e do Nordeste.
Com o apoio do Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR) e da FESUDEPERJ, a capacitação internacional foi organizada pelo Instituto de Direitos Humanos da International Bar Association (IBAHRI) em parceria com a Iniciativa Antitortura (ATI) da American University e com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
Texto e entrevista: Bruno Cunha