Aos 46 anos, Maria Nazareth Gomes da Silva aguarda ansiosa o dia em que colocará as mãos no registro civil que não teve ao nascer e que acabou por privar seus quatro filhos do mesmo direito. Edson Santos, que vive em situação de rua, perdeu os documentos originais e já conseguiu a segunda via. Daniela Fiorentino quer apresentar, na certidão de nascimento, o nome e o gênero que a identificam. Esses são apenas três dos mais de 26 mil casos relativos à emissão ou retificação de documentos que passaram pela Defensoria Pública do Rio em 2017, especialmente em ações sociais, e que ilustram a relevância da campanha nacional “Defensoras e defensores públicos pelo direito à documentação, onde existem pessoas, nós enxergarmos cidadãos”.
A ideia é concentrar esforços para reduzir o chamado sub-registro. No ano passado, ingressaram no Tribunal de Justiça do Rio 1.128 ações para emissão de certidões de nascimento tardias, a maioria por meio da Defensoria. A campanha das Defensorias Públicas de todo o Brasil visa garantir o acesso à documentação básica de todos os que, por qualquer razão, a ela não tiveram acesso. Em cada estado serão priorizados os grupos mais vulneráveis localmente. No Rio, onde a campanha foi lançada no último dia 9, na Assembleia Legislativa, com o apoio da Frente Parlamentar em Defesa e pelo Fortalecimento da Defensoria Pública, a tônica será a população em situação de rua e a comunidade LGBT.
— A campanha desse ano contempla um público muito específico, presente no dia a dia do atendimento da Defensoria: os hipervulneráveis, aqueles que nunca tiveram direito ao registro de nascimento para que assim pudessem ter acesso a tantos outros direitos. E esse é um trabalho que não se esgota na Defensoria; é uma tarefa para a qual contamos com muitas parcerias — explicou o defensor público geral, André Castro, na solenidade.
Até maio do próximo ano, a Defensoria vai intesificar iniciativas que permitam alcançar o maior número de pessoas que possam se beneficiar da campanha. Haverá mutirões, que se somarão ao trabalho já consolidado das ações sociais em todo o estado, e a realização de capacitações e palestras que promovam a educação em direitos e contribuam para reforçar o combate ao sub-registro.
A coordenadora dos Núcleos de Primeiro Atendimento, Fatima Saraiva, destaca a dificuldade de muitas dessas pessoas sem documentação chegar até os órgãos públicos que podem ajudá-las a resolver o problema.
— Muitas delas só nos chegam graças à ajuda de tutores sociais. São vizinhos, conhecidos, padres, pastores e assistentes sociais que as conduzem à Defensoria ou a outros órgãos parceiros. Essas pessoas não são invisíveis. Nós é que nem sempre as enxergamos —, resumiu a defensora pública.
No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) há cerca de 3 milhões de pessoas sem nome e sobrenome oficiais. Como Maria Nazareth e seus quatro filhos, esses homens e mulheres vulneráveis não foram registrados ao nascer mas, graças à campanha das Defensorias, podem vir a transformar-se em cidadãos. Exatamente como aconteceu com Maria Braz Silva, hoje com 56 anos, e a filha Márcia, 27, que em 2014 tiveram assegurado o acesso à documentação básica por meio de ação ajuizada pela Defensoria do Rio.
A campanha contra o sub-registro, parceria entre a Associação Nacional de Defensores Públicos e as associações estaduais, pretende potencializar a atuação que, no Rio, já é rotina nas ações sociais, nos núcleos de primeiro atendimento e de iniciativas especificamente voltadas para grupos muito vulneráveis. No ano passado, nada menos que 4327 pessoas em situação de rua foram atendidas pela Defensoria por conta de alguma pendência relativa a documentos. No mesmo período passaram, pelo Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos, para retificação de nome e gênero.