Bruno, de 24 anos, não se sente satisfeito quando olha seu reflexo no espelho. O morador da Baixada Fluminense relata que além da presença dos seios em seu corpo, que ele esconde atrás de um colete de correção postural, nos documentos dele ainda constam seu nome de batismo feminino, o que afeta na busca por emprego e gera constrangimentos na hora das entrevistas.
A história de Bruno é semelhante a de muitas outras pessoas, em todo o Brasil. Para ajudar a mudar este cenário, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro promoveu, nessa quarta-feira (16), o primeiro mutirão de Requalificação LGBT do Rio. O evento foi realizado em parceria com a Associação dos Defensores do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ), o programa estadual Rio Sem Homofobia e a prefeitura de Duque de Caxias, na sede da Defensoria Pública em Caxias.
A ação marca o Dia Internacional Contra a LGBTfobia, celebrado nesta quinta-feira (17), e faz parte da Campanha Nacional dos Defensores Públicos que, neste ano, tem como tema Defensoras e Defensores Públicos pelo direito à documentação pessoal: onde existem pessoas, nós enxergamos cidadãos".
No mutirão, Bruno e outras de 30 pessoas receberam, em mãos, o ofício de gratuidade da Defensoria com solicitação ao cartório de Registro Civil para que as devidas alterações e a emissão de novas certidões de nascimento sejam feitas.
Dias melhores
Bruno acredita que a nova documentação lhe trará novas e boas oportunidades. O jovem é casado há três anos e recebe ajuda financeira do sogro, que não desconfia da sua transexualidade.
- Cheguei a ser obrigado a namorar um garoto, mas não consegui levar adiante, até que fui expulso de casa, com 18 anos, pela minha avó e tia, que afirmam que sou portador de uma doença. Desde então, eu não consigo arrumar emprego porque é nítido o que está no meu documento e o que sou. Quem tem nos ajudado é o pai da minha esposa, e eu temo que ele saiba que biologicamente eu nasci mulher - contou.
O jovem conta que faz tratamento hormonal sem supervisão médica. Ele reconhece os riscos e reclama que o sistema de saúde público não está preparado para atender transexuais. Segundo ele, sempre que procura o endocrinologista é encaminhado ao ginecologista.
- Pior de todos os constrangimentos foi o que minha amiga passou, quando um PM deu uns tapas na cara dela depois que viu diferença entre o que ela é e o que o documento dizia - relatou com revolta.
Mara, de 46 anos, também moradora da Baixada, conta que, devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho por conta do seu gênero que não condiz com que seus documentos afirmam, tem que fazer programas sexuais para sobreviver.
- Eu quero sair dessa vida, quero conseguir passar pelas entrevistas de emprego sem que me olhem com surpresa por eu ser uma mulher, mas com uma identidade que diga como me chamo. Foram tantas situações degradantes, a pior de todas foi num posto de saúde, quando a atendente me chamou pelo nome de batismo, mesmo eu tendo pedido a ela para que se referisse a mim pelo nome social - relatou.
Questão de cidadania
Para 2º subdefensor público-geral do Estado, Rodrigo Pacheco, o mutirão é de extrema relevância para que essas pessoas possam exercer sua cidadania sem burocracia.
- A Defensoria analisou todos os processos de requalificação civil e mostrou o quanto é penoso e lento para o cidadão e cidadã a mudança do nome de forma judicial. Agora esse processo pode ser feito de forma extrajudicial - afirmou.
O mutirão começou a ser articulado no início do ano, pouco antes do Supremo Tribunal Federal (STF) proferir uma decisão, no dia 1º de março, que dá direito a transexuais de alterar nome e gênero no registro civil, mesmo que não tenham feito a readequação sexual ou tratamento hormonal.
Vida Nova
Bruno revelou que já planeja, junto com a esposa, aumentar a família após a regularização dos documentos.
- Agora eu vou poder registrar meu filho. Já estávamos pensando em ter filhos, queremos ter pelo menos dois - revelou com alegria.
Já para Mara, ter documentos com o nome social é uma garantia de que seu futuro irá mudar para melhor.
- Sei que agora eu vou conseguir um emprego de verdade. Chega de passar por situações humilhantes, como ser humano eu não merecia isso - destacou.
A pedagoga Roberta, de 56 anos, que também foi atendida no mutirão, não escondeu sua alegria. Depois de tentar por 20 anos alterar seus documentos, ela sente que está perto de realizar seu sonho de ter seu nome social na certidão de nascimento e no RG. Hoje servidora concursada, Roberta conta que lamenta o fato de que pouquíssimas transexuais conquistam seus espaços e não dependem da prostituição para viver.
- Eu cheguei a me prostituir, mas uma pessoa maravilhosa me ajudou a sair dessa vida e me incentivou a estudar. Me formei na Uerj e em seguida passei no concurso municipal. Hoje, eu renasci - afirmou.
Atendimento à população trans
A Defensoria Pública está à disposição para tirar dúvidas e oferecer assistência jurídica à população LGBT por meio de seu Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (Nudiversis).
O Nudiversis funciona na Rua México, nº 11, sala 1501, Centro, de 2ª a 6ª, das 10 às 18h. O atendimento pode ser agendado pelos telefones 2332-6344 e 2332-6186.