A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) foi à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) contra a Lei 13.491. Em vigor desde 13 de outubro do ano passado, a norma transferiu da Justiça Comum para a Justiça Militar a competência para processar e julgar homicídios de civis atribuídos a integrantes das Forças Armadas. Em denúncia entregue ao órgão, a DPRJ relatou que a legislação estabeleceu um foro especial para os militares, dificultando assim a responsabilização dos agentes estatais por meio de investigações imparciais e independentes.
No documento, a Defensoria relata como exemplo da situação grave que o Brasil vive a chacina no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, que resultou na morte de oito pessoas. O caso completa hoje seis meses: aconteceu no dia 11 de novembro do ano passado, menos de um mês da sanção da Lei 13.491, durante uma operação conjunta da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e das Forças Especiais do Exército Brasileiro. O Rio de Janeiro ainda não estava sob intervenção federal, mas o Exército já exercia funções de segurança no Estado sob o regime de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Há fortes indícios de execução: os disparos foram efetuados nas costas e nucas das vítimas e há relatos de que partiram da mata, tendo os atiradores utilizado armas com mira laser e capacetes com visão noturna, como as utilizadas pelas Forças Especiais do Exército. Apesar disso, até hoje o caso não foi devidamente apurado nem houve a responsabilização dos culpados.
A denúncia foi protocolada na sede da CIDH, em Washington (EUA), no último dia 4 de abril pelo 2º defensor público-geral do Estado e o defensor titular do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da DPRJ, Rodrigo Pacheco e Daniel Lozoya, respectivamente.
No documento, a DPRJ lembra que a Lei 13.491 contraria a jurisprudência da Corte Interamericana e os parâmetros internacionais de proteção de direitos humanos. Esse fato, inclusive foi alertado pelo representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em carta enviada ao Senado Federal quando o projeto que deu origem à lei ainda tramitava naquela casa.
– Com a utilização cada vez mais frequente das Forças Armadas em funções de segurança e de polícia no Brasil, a exemplo da intervenção federal no Rio de Janeiro, é bastante provável que casos envolvendo militares sejam levados à Justiça Militar. Daí a necessidade dessa lei ser revogada o mais rápido possível, pois a Justiça Militar não é competente para julgar violações de direitos humanos praticadas contra civis, de acordo com os padrões internacionais de independência e imparcialidade judicial e das investigações – afirmou o defensor Daniel Lozoya.
– Afinal, a Lei 13.491/2017 criou um privilégio injustificável, visando a estabelecer um foro especial para os militares, distinto dos demais cidadãos, que são acusados de praticar crimes, mesmo que constituam graves violações aos direitos humanos – acrescentou Rodrigo Pacheco.
Aumento da letalidade
No documento, a Defensoria relata o aumento da letalidade e no Brasil e denuncia a tramitação de projetos de lei que, se forem aprovados, podem dificultar ainda mais a responsabilização de crimes cometidos por parte das Forças de Segurança. No documento, a DPRJ pede à CIDH a apreciação da petição, “em razão da evidente possibilidade de remediar situação estrutural grave, promover mudanças legislativas e evitar o recebimento de múltiplas petições com objetos similares”.