A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) quer que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reveja a proposta de regulamentação para a retificação do registro civil das pessoas trans nos cartórios e que, entre outros pontos, inclua no texto um artigo prevendo a gratuidade de emissão dos novos documentos. Em audiência pública realizada na Defensoria Pública da União em Brasília (DPU), a DPRJ observou que na minuta de Resolução discutida no CNJ não há nenhuma previsão da gratuidade, de forma universal, para a realização do procedimento garantido por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em março, a corte decidiu que a alteração do nome e do sexo deve ser feita diretamente nos cartórios – sem a necessidade de uma ação na Justiça e nem de cirurgia – e o CNJ ficou responsável por estabelecer os parâmetros nacionais para a implementação da medida. Como o órgão já apresentou a sua proposta para isso, o texto foi levado para debate em audiência pública realizada na segunda-feira (7) com o tema “Regulamentação Nacional de Retificação de Registro Civil de Pessoas Trans: a ADI 4275 e os parâmetros mínimos na Resolução do CNJ”.
No encontro foi elaborada nova proposta de redação da regulamentação com as medidas apresentadas por representantes de organizações da sociedade civil, da Associação de Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN), da Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) e de outras instituições. O texto agora segue para análise do CNJ.
– Para todas as pessoas no Brasil são gratuitos o registro de nascimento e a emissão da primeira certidão correspondente, de acordo com a Constituição Federal e com a Lei 9534/97, e assim também deve ser para as pessoas trans. A averbação da mudança de prenome e de sexo no registro civil para elas equivale ao primeiro documento com a sua verdadeira identidade – destacou no encontro a coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos da DPRJ (Nudiversis) e do Núcleo Contra a Desigualdade Racial da instituição (Nucora), Lívia Casseres.
Segundo ela, ainda há muitas dúvidas nos cartórios sobre como proceder para a retificação nos documentos das pessoas trans. Dos 91 casos do tipo atendidos pela Defensoria desde o dia 2 de maio, quando foi iniciado mutirão com o objetivo de dar cumprimento à decisão do STF, nenhum teve resolução por enquanto porque não há a regulamentação.
– Esperamos a regulamentação o quanto antes porque ainda vivemos em uma situação de insegurança no Rio de Janeiro com relação à postura dos cartórios, que buscam a orientação de juízes e promotores e esses, por sua vez, aguardam os critérios a serem informados pelo CNJ – ressaltou Lívia Casseres.
Atuante no Nudiversis juntamente com a defensora, a psicóloga Marina Vilar participou da audiência pública representando o Conselho Federal de Psicologia, do qual é colaboradora. Em sua intervenção, chamou atenção para a importância da autodeclaração das pessoas trans como garantia à própria autonomia.
– Apesar de o STF garantir a alteração dos documentos sem que para isso seja necessária uma ação judicial ou a cirurgia, a proposta de regulamentação do CNJ apresenta a possibilidade de exigência de laudo médico, de parecer psicológico e de laudo de procedimento cirúrgico, dependendo do caso. Entendemos que nada disso deve ser pedido em respeito à primazia da autodeclaração e não da avaliação de um terceiro. A possibilidade de exigência dessa documentação pode dar margem para que mais tarde ela vire regra – observou Marina.
Com a análise dos artigos da proposta do CNJ na audiência pública, também foram apresentas pelos participantes mudanças como a retirada do termo transexual das certidões de quem obteve a alteração em data anterior à decisão do STF; e, como forma de reparação, a inclusão do nome social das pessoas trans já falecidas em suas certidões de nascimento.
Texto: Bruno Cunha