A partir da denúncia de tortura registrada pela Defensoria Pública do Rio, a Polícia Civil está investigando a agressão a internos do Educandário Santo Expedito, em Bangu. Uma brincadeira comum entre os adolescentes – conhecida como fighter ou “lutinha” – entre dois jovens, na noite de 12 de julho, terminou em uma sessão de socos, chutes e chineladas, conforme relato feito por alguns dos 16 ocupantes de dois alojamentos.

Em visita semanal de rotina ao Santo Expedito, o defensor público Rodrigo Azambuja ouviu os relatos da agressão coletiva aos adolescentes, que, completamente nus, foram confinados em uma espécie de hall de frente para a parede. Ao tomar ciência de que um dos internos estava com marcas no corpo, Azambuja começou a procurá-lo em seu alojamento, o de letra B.

Foi aí que ocorreu mais uma infração. Na tentativa de esconder o interno, os agentes primeiro informaram que ele estaria em um hospital da região. Diante da ameaça do defensor de ir até o local verificar a história, o interno apareceu, acompanhado de um agente, informando que estava na escola. O problema é que o jovem estuda pela manhã e já era quase fim de tarde quando ele foi apresentado.

Estava com o olho esquerdo roxo e, com medo, disse ter caído da comarca (como chamam a cama). "Eles têm um receio muito grande de que sejam vítimas de violência novamente, ou de que forjem a prática de algum crime ou ameacem os parentes que vão visitá-los", relata Azambuja.

O agente que trouxe o jovem pelo braço chegou a receber voz de prisão de Azambuja, por tentar fraudar a apuração. Contudo, foi liberado após prestar depoimento na delegacia, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo e também porque, segundo os adolescentes, ele não teria participado das agressões.

A vítima e outros adolescentes detalharam como foi a agressão, em conversa reservada com o defensor público e o delegado. Os jovens foram encaminhados para exame de corpo de delito depois que o defensor público fez o registro de ocorrência na 34ª DP (Bangu). Por ordem judicial, eles estão internados na Escola João Luiz Alves, na Ilha do Governador, e de lá só deverão sair para audiência no Juízo da Vara da Infância e da Juventude do Rio, que enviou dois Comissários à delegacia para acompanhar os depoimentos dos adolescentes.

– Vamos encaminhar o maior número de provas ao Ministério Público para que o órgão ofereça a ação penal. O agente público tem o dever de impedir qualquer tipo de crime. Se vê e se omite, também responde como agindo estivesse –, reforça  Azambuja.

A defensora pública Márcia Fernandes, que também acompanha o caso, disse que o crime de tortura contra os jovens está evidente.

–  A agressão para correção e controle configura tortura. Ficou demonstrado, na ação dos agentes, o intenso sofrimento físico e moral exigido para caracterização do crime. Os adolescentes foram humilhados, despidos e agredidos, sem que nada pudessem fazer –, destaca Márcia.

Segundo a defensora pública, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que acaba de completar 25 anos, ainda está longe de ser cumprido por agentes “sem identidade”. Ela lembrou ainda da luta da Defensoria Pública contra o funcionamento do Educandário Santo Expedido, próximo ao Complexo Penitenciário de Bangu e que, por isso, é chamado de Bangu Zero.

– Temos uma ação, contra essa unidade, desde 2005. Já foi definitivamente julgada. Ela não cumpre os padrões do SINASE, pois, por exemplo, é proibido ter instituição para internação de adolescentes e jovens adultos anexa a presídio. Questão que também é contra o ECA e os tratados internacionais que regulamentam o tema.

(Foto: Google StreetView)



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