Para reverter a situação, a DPRJ e a DPU ajuizaram Ação Civil Pública requerendo a reformulação da rede de atendimento no Estado
Terceira maior causa de mortalidade neonatal no país, a cardiopatia congênita preocupa a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) e a Defensoria Pública da União no Rio (DPU) por seus números alarmantes: as instituições apuraram que, em média, apenas 406 das 1777 crianças nascidas por ano com o problema cardiovascular e com necessidade de intervenção cirúrgica para a reversão desse quadro são operadas no Estado do Rio de Janeiro. Com isso, concluem que outras 1.371 crianças correm risco de morte porque é insuficiente o número de cirurgias realizadas nas unidades públicas de saúde habilitadas para isso – e elas são apenas quatro no Rio – e pela desestruturação progressiva dessas unidades.
Os números embasam Ação Civil Pública protocolada pelas Defensorias, na Justiça Federal, para que a situação seja efetivamente regularizada com a adoção de medidas como, por exemplo, a reestruturação e a organização da Rede Estadual de Alta Complexidade Cardiovascular Pediátrica para que toda demanda possa ser atendida.
– Uma denúncia encaminhada pelo Conselho Regional de Medicina do Rio (CREMERJ) e o aumento da procura no Plantão Judiciário Noturno por pais de crianças que aguardam em fila a realização de cirurgia cardíaca pediátrica sinalizaram a existência de deficiências e de insuficiências na prestação desse serviço essencial à garantia da vida de inúmeras crianças no Estado do Rio de Janeiro – destaca a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da DPRJ, Thaisa Guerreiro.
– Segundo os parâmetros de cobertura assistencial do próprio Ministério da Saúde, identificou-se, ao longo da investigação, que atualmente, em média, apenas 406 das 1777 crianças nascidas por ano com cardiopatia congênita e necessidade de intervenção cirúrgica são operadas no Estado. Desta forma, é possível concluir que 1371 crianças com cardiopatia congênita não possuem o acesso à saúde e à vida garantido no Estado e correm risco de óbito, anualmente, de forma prematura e desnecessária – ressalta Thaisa.
De autoria da Coordenadoria de Saúde e Tutela Coletiva da DPRJ; do Núcleo de Fazenda Pública da instituição; e da DPU, a ação tem como réus a União Federal; o Estado e o Município do Rio de Janeiro; a Casa de Saúde Laranjeiras; a Fundação Saúde do Estado do Rio de Janeiro; e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) porque as quatro unidades habilitadas pelo Ministério da Saúde para a realização da cirurgia cardiovascular pediátrica – e que compõem a Rede – são as seguintes: Instituto Nacional de Cardiologia (INC) e Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), ambas financiadas pela União e sob a gestão sanitária do Município; o Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe, da Uerj), mantido pelo Estado e também com gestão sanitária do Município; e o Instituto Estadual Aloysio de Castro (IECAC), mantido pelo Estado e com gestão sanitária compartilhada com a Fundação Saúde.
Além disso, para complementar a oferta, o Estado contratou os serviços privados de cirurgia cardiovascular da Casa de Saúde Laranjeiras, mas, de acordo com a ação judicial, a unidade reduziu sua produtividade em 70% por falta de pagamento do contratante.
Medidas em caráter liminar
Na Ação Civil Pública as Defensorias requerem, em tutela de urgência, que a União adote as medidas necessárias à revitalização e à reestruturação física, assistencial, técnica e de investimentos em recursos materiais e humanos do Instituto Nacional de Cardiologia (INC) e, também, que restabeleça a produtividade inicial da unidade, sob pena de multa cominatória diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
Já o Estado e a Fundação Saúde deverão adotar as medidas de reestruturação e revitalização no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC). Além disso, o Estado e a Casa de Saúde Laranjeiras também deverão restabelecer sua produtividade inicial.
Outra medida a ser tomada em relação à União, ao Estado, à Fundação Saúde e à Casa de Saúde Laranjeiras é a apresentação de um plano concreto de ação para a realização dos procedimentos nas crianças que estão na fila.
Há outros pontos requeridos pelas Defensorias Públicas na ação e um deles refere-se ao plano de reestruturação e organização da Rede Estadual de Alta Complexidade Cardiovascular Pediátrica. De acordo com a petição, o plano deve ser apresentado pela União, pelo Estado, pelo Município, pela Fundação e pela Uerj para que seja implementado no prazo máximo de um ano, e nele deve ser incluído, entre outros pontos, o restabelecimento do serviço de assistência de alta complexidade em cirurgia cardiovascular pediátrica que, segundo a ação, foi “interrompido ilegal e unilateralmente” pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) e pelo Hospital Geral de Bonsucesso (HGB).
Fila de espera só aumenta
Em resposta a ofício expedido pelas Defensorias Públicas em 2017, a Central Estadual de Regulação informou que na época havia fila de 109 crianças à espera de cirurgia cardíaca neonatal no Estado. Segundo a Ação Civil Pública, a informação não leva em conta a fila interna formada nas unidades por crianças que não foram encaminhadas pela regulação e chegaram para atendimento levadas pelos pais “em total desespero.”
A petição informa ainda que apenas no Instituto Nacional de Cardiologia (INC) havia 200 crianças na fila de espera em setembro de 2017 e mais 100 aguardando o procedimento no Instituto Estadual Aloysio de Castro (IECAC).
Além disso, a Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ apurou que apenas no Plantão Judiciário Noturno, em 2016 (de fevereiro a dezembro) e em 2017 (nos meses de janeiro, fevereiro e maio), foram propostas 19 ações judiciais pela Defensoria Pública estadual requerendo cirurgia cardíaca pediátrica. De 14 pais contatados por telefone pelo setor de pesquisa, oito informaram que a criança havia falecido.
Texto: Bruno Cunha