A nova coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da DPRJ, Flávia Nascimento

 

 

Entrevista: Flávia Brasil Barbosa do Nascimento


“A violência de gênero é uma questão estrutural” 

 

A defensora pública Flávia Brasil Barbosa do Nascimento é a nova coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ). No cargo desde a quinta-feira (1º de março), ela agora está à frente da equipe até então coordenada por Arlanza Maria Rodrigues Rebello (que está em processo de aposentadoria), e em menos de uma semana na função já definiu prioridades: dar continuidade, por exemplo, à elaboração de um mapa informando quais são os órgãos da Defensoria Pública que têm atribuição para a defesa da mulher em todo o estado – e em todas as Comarcas – para distribuição em delegacias e centros de referência. A ideia é orientar profissionais da rede de  atendimento às mulheres, dando ampla divulgação à atuação da instituição.

Fornecer suporte técnico às defensoras e aos defensores para uma atuação estratégica e especializada sob a perspectiva de gênero é outra das prioridades de Flávia, que é titular do órgão de atuação de Defesa da Mulher junto ao Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de São Gonçalo e é pós-graduada em Gênero e Direito pela Escola da Magistratura do Estado (Emerj).

Neste 8 de março, preparamos uma entrevista especial com a defensora. Confira suas propostas para a Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher, que deixará as instalações do Edifício Menezes Cortes e passará a funcionar na sede, e conheça um pouco mais sobre a visão da defensora sobre a complexa atuação nas questões de gênero. 

 

Quais são os principais desafios à frente da coordenação?

Falar de gênero já é um desafio porque hoje em dia a gente vive uma pauta de retrocessos, principalmente relacionados a esse assunto. Por isso temos uma frente de trabalho muito grande com relação à violência contra a mulher e a outras demandas que também atingem especificamente as mulheres, como a violência obstétrica e as demais formas de violência, com atenção especial  à intersecção entre raça e gênero. 

E quais são as prioridades?

Desde a criação da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher, com a proposta de interiorização do trabalho específico e humanizado de atendimento às que vivem situação de violência, uma das prioridades é dar ampla publicidade ao modo como a instituição pretendeu atender à Lei Maria da Penha, no que se refere à garantia de defesa dos interesses dessas mulheres, fortalecendo, inclusive, que a nossa atuação deve priorizar a sistemática protetiva da lei que não deve ser condicionada à ideia de criminalização do agressor. O protagonismo trazido pela lei é da mulher. Encará-la como unicamente repressiva é, mais uma vez, colocar no centro das atenções o homem.

E quais os instrumentos para esta atuação?

Em outra frente, vamos fortalecer a defesa da mulher, fornecendo suporte técnico às defensoras e aos defensores para a necessidade de uma atuação especializada sob a perspectiva de gênero. A violência de gênero é uma questão estrutural e hoje há uma cegueira nas instituições do sistema de Justiça, que dificilmente dão relevância a essa questão.

Há um Grupo de Trabalho sobre violência obstétrica na coordenação. Ele será mantido?

Essa é mais uma prioridade: a manutenção desse grupo de trabalho tendo como base o caso Rafaela, uma adolescente de 15 anos que morreu em decorrência de um parto mal sucedido e mal realizado e teve de percorrer maternidades, entre outros problemas. Mais do que violência obstétrica, esse caso deve ser analisado sob a perspectiva do racismo institucional diante da estatística que se tem de aumento de casos de morte materna entre a população negra.

 
Qual a primeira medida a ser tomada à frente da coordenação?

Estou chegando em um período bastante movimentado para quem atua na defesa da mulher, que é o mês de março, e a princípio vou dar continuidade aos trabalhos já desenvolvidos pela coordenação, principalmente em relação à conscientização de defensoras e defensores sobre a importância da defesa da mulher em situação de violência. 

Qual a importância de a Defensoria Pública ter uma coordenação específica para a defesa dos direitos da mulher?

 Vivemos no país e no mundo uma onda conservadora, que acaba por atingir diretamente os direitos das mulheres. A Coordenadoria, enquanto órgão da Administraçã, traz a mensagem de reconhecimento e fortalecimento de uma política institucional de gênero, trabalho a partir do qual a Defensoria do Rio de Janeiro tem sido vista como referência.

Como foi sua trajetória na Defensoria Pública?

 Sou defensora pública desde 1999 e já atuei em várias comarcas do interior, passando também pelo Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen) e pela Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica). Em 2011, assumi minha titularidade na Comarca de São Gonçalo, atuando em favor das mulheres vítimas de violência junto ao Juizado da Violência Doméstica da comarca.


Sua carreira é fortemente marcada pela defesa dos direitos da mulher. Pode citar um caso que tenha sido emblemático?

Com certeza é o caso de uma mulher trans, vítima de violência de gênero em sua própria família, porque nele conseguimos trabalhar sob a ótica da Lei Maria da Penha. Internada compulsoriamente pela família, ela foi levada a outro estado para tratamento de "Cura Gay". Em atuação conjunta com o Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (Nudiversis) e com a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de São Gonçalo, conseguimos reverter a situação e ainda garantir medidas protetivas de urgência em seu favor. A decisão virou referência no estado para outros casos.

Texto: Bruno Cunha
Edição: Débora Diniz



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