A Defensoria Pública do Rio de Janeiro ingressou como amicus curiae – amigo da Corte ou parte interessada – na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) que suspendeu parcialmente o decreto de indulto natalino. Movida pela Procuradoria Geral da República (PGR) sob o argumento de que beneficiaria condenados por corrupção, a ADIn acabou por atingir toda a massa carcerária, impedindo, na prática, que presos comuns tenham acesso ao benefício. 

Para a Defensoria, não há nada de inconstitucional no Decreto 9247/17, editado em dezembro pelo presidente da República. Ao contrário, as medidas restritivas é que afrontam a Constituição, com ao menos três consequências imediatas: o incremento exponencial da retenção carcerária; a impossibilidade de abertura de novas vagas no superlotado sistema prisional e a impossibilidade de concessão não somente do indulto, mas também da comutação de pena, ainda que este instituto não tenha sido objeto da impugnação do Ministério Público.

Embora o debate dos últimos dias tenha focado no artigo que concede indulto a quem já cumpriu um quinto da pena, independentemente do tempo de condenação, a Ação da PGR é muito mais ampla. Acatado integralmente no período de recesso pela ministra Carmem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido de liminar impede que presos do regime aberto, presos provisórios que já tenham sido condenados em primeira instância e, ainda, aqueles sem recursos financeiros para pagamento de pena de multa tenham direito ao indulto ou à redução da pena.

– A grande preocupação da Defensoria Pública é com o impacto que a decisão vai provocar no sistema penitenciário, já que impede a liberdade de milhares de presos, agravando ainda mais o dramático cenário de superlotação das prisões brasileiras. Ao mirar no criminoso do colarinho branco, a decisão acertou em cheio a parcela mais vulnerável da massa carcerária, formada por jovens, negros e pobres que, de acordo com decretos dos últimos 20 anos, teriam direito ao indulto –, afirma o defensor público Leonardo Rosa, subcoordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário e um dos autores da petição.

No texto, a Defensoria elenca diversas incoerências provocadas pela decisão, como a que suspende a concessão do benefício para os presos do regime aberto (Art. 8º, inciso II do decreto presidencial). Na prática, detentos do regime fechado e semiaberto continuam habilitados a receberem a liberdade, ao passo que aqueles que cumprem pena em regime menos severo estão excluídos dessa possibilidade.

Outra incongruência é a exclusão dos presos provisórios que já tenham condenação em primeira instância (Art. 11, inciso I), enquanto detentos definitivamente condenados continuam aptos ao indulto. “A suspensão dessa norma fere o princípio da proporcionalidade porque permite o indulto para presos com processos transitados em julgado, sobre os quais não cabe mais qualquer recurso, e o veda àqueles que ainda podem recorrer e ser absolvidos ou ter a pena reduzida”, observa Rosa.
 
No texto, os defensores questionam, ainda, o condicionamento do benefício ao pagamento da pena de multa. A pretexto de impedir o perdão de condenados por corrupção, a exigência da quitação atingiu diretamente a parcela de presos que não tem como arcar com esse ônus. Decretos anteriores nunca vincularam a soltura do condenado ao pagamento deste valor, ainda que não isentassem o indultado de seu pagamento no futuro.

No pedido de habilitação como amicus curiae, a Defensoria lembra que normas indulgentes idênticas ou similares jamais foram questionadas, tornando evidente que a polêmica provocada pelo último decreto está diretamente ligada ao contexto episódico e juridicamente particular que visa afetar um grupo específico de pessoas privadas da liberdade. O problema é que, face à turbulência atual instalada na sociedade, produz efeitos que ultrapassam os limites inicialmente pretendidos. “Assim, de uma forma ou de outra, todas as pessoas privadas de liberdade – e não só aquelas criminalmente envolvidas na “Operação Lava Jato” – acabaram por serem englobadas pela decisão suspensiva.” 

Além de Leonardo Rosa, assinam a petição o defensor público-geral do Rio de Janeiro, André Castro, e os defensores públicos Emanuel Queiroz e Ricardo André de Souza, da Coordenação de Defesa Criminal da Defensoria, Marlon Barcellos e João Gustavo Fernandes, ambos do Nuspen. 

Confira a íntegra da petição no link goo.gl/Gmm8Uj.



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