Homens e mulheres com mais de 60 anos de idade, vítimas de acidente vascular cerebral e em boa parte dos casos há pelo menos três dias à espera de leito em unidade de terapia intensiva na rede pública de saúde estadual e municipal da capital e da Região Metropolitana. Esse é o principal perfil dos pacientes cujas famílias recorrem ao Plantão Judiciário Noturno na tentativa de garantir transferência de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ou de pronto-socorro para local com tratamento adequado à gravidade da situação. Mesmo nos casos em que a transferência é realizada em até 24 horas após o ajuizamento da ação, sete em cada dez pacientes morrem.
Esses e outros dados fazem parte de levantamento detalhado da Defensoria Pública do Rio sobre os atendimentos prestados no Plantão Judiciário Noturno, tendo por base maio último. Os defensores públicos que se revezam no plantão, sempre das 18h às 11h, quando as atividades do Fórum estão suspensas, recebem, mensalmente, cerca de 150 pessoas aflitas por vagas em centros de cuidados intensivos, com ou sem suporte para especialidades como cardiologia.
— É de se indignar que, desde 2012, até três pessoas falecem diariamente por falta de leitos de terapia intensiva nas redes municipal e estadual de saúde e que, a despeito de todas as investidas judiciais e extrajudiciais, seja no âmbito individual ou coletivo, de vários órgãos de controle, como Defensoria e Ministério Público, este quadro de grave violação de direitos humanos não seja equacionado pelo Poder Público —, afirma a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria, Thaisa Guerreiro, que também coordena o Plantão Noturno da instituição.
Contribuem para o alto índice de mortes a demora da rede pública em garantir o leito extrajudicialmente (sem interferência do Poder Judiciário), bem como a recusa indevida no fornecimento de laudos/relatórios médicos pelos profissionais da rede pública e a falta, em geral, de informação aos familiares dos pacientes sobre os seus direitos fundamentais à saúde, à vida e ao acesso à Justiça. O estudo demonstra que é alta a taxa de mortalidade mesmo quando a transferência é efetivada poucas horas após a família do paciente procurar o Plantão Noturno.
“Ainda quando as transferências são realizadas em até 24 horas após a liminar, o índice de mortalidade permanece elevado, algumas vezes até maior do que nas transferências ocorridas posteriormente, demonstrando que tal prazo não é efetivo nos pacientes mais graves. Do total de pessoas transferidas em até 24h, 69,2% faleceram”, destaca o relatório da Defensoria.
No geral, considerando pacientes que conseguiram transferência em 24, 48 horas ou mais, bem como aqueles que não conseguiram leito em unidade capaz de oferecer o tratamento necessário, a taxa de mortalidade média é de 61,7%. Especificamente quanto àqueles que, tendo obtido decisão judicial favorável, não foram transferidos, a chance de sobrevivência é quase inexistente: a letalidade chega a 94,7%.
“Os dados finais ajudam a identificar os pontos críticos da falta de leitos nos hospitais públicos do Estado do Rio de Janeiro e de todos os municípios fluminenses que contribuem, infelizmente, para um elevado índice de mortalidade, inclusive dos que se socorrem do Poder Judiciário. Este conhecimento oferece subsídios concretos para a adoção de estratégias conjuntas dos três Poderes que solucionem, de forma efetiva, dificuldades nevrálgicas do sistema público de saúde fluminense”, deixa clara a introdução do documento.
— Dentre estas estratégias, destaca-se a investida de todos os órgãos de controle no aperfeiçoamento do sistema de regulação de leitos no Estado do Rio de Janeiro, sobretudo na capital, onde existem centrais e sistemas informatizados de regulação diversos que, sem efetiva integração, acabam prestigiando critérios federativos e políticos e não sanitários, em desfavor do cidadão que possui o direito constitucional a um sistema único e não segmentado de saúde — analisa a defensora Thaisa Guerreiro.
O relatório estatístico da Defensoria é fruto de pesquisa detalhada junto aos familiares que passaram no Plantão Judiciário Noturno de maio deste ano para ajuizar, por meio de defensores públicos, ações em favor de pacientes internados na rede pública estadual, municipal do Rio e de cidades vizinhas. Na segunda quinzena de setembro, a equipe da Defensoria conseguiu contato com 107 dos 133 desses familiares. Por questionário, foi possível identificar os desdobramentos de cada um dos 107 pedidos de transferência, dos quais 81 visavam leitos da rede municipal da capital e da rede estadual e outros 26 pretendiam vagas em unidades municipais da Região Metropolitana (Baixada Fluminense, principalmente).
A pesquisa da Defensoria apontou ainda que, na falta de leitos públicos, apenas três pacientes foram internados na rede privada como alternativa para o cumprimento de decisão judicial. Dentre os pacientes que conseguiram leitos de terapia intensiva em unidades públicas, um terço permaneceu cinco ou mais dias internado.