Em audiência pública no Senado Federal, assessora para assuntos institucionais da DPRJ criticou a falta de informações sobre o tema para que, com base nelas, possam ser propostas políticas públicas

 

Em trâmite no Congresso Nacional, a proposta de redução da maioridade penal segue em discussão mesmo sem o acesso dos parlamentares a informações oficiais sobre a realidade do sistema socioeducativo no país, alerta a assessora para assuntos institucionais da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), Elisa Cruz. Em audiência pública realizada no Senado Federal nesta terça-feira (24), ela destacou a inconstitucionalidade da medida e chamou a atenção para a inexistência de dados oficiais sobre pontos importantes, como o número de apreensões realizadas no Brasil e de adolescentes em medida de internação e de semiliberdade, para que, com base nisso, possa ser traçado um panorama da situação e para que possam ser criadas políticas públicas na área.

– Há sistemas muito esparsos, levados a efeito apenas por cada estado, o que não permite que tenhamos uma visão do todo e nem que saibamos os elementos para a construção de uma política pública efetiva para responder à questão da segurança pública no país – destacou Elisa Cruz na audiência pública.

Realizada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, a audiência Pública reuniu especialistas para o debate do tema “A redução da maioridade penal e suas consequências” e, entre eles, estava Elisa, que também é vice coordenadora da Comissão da Infância da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep).

Aos presentes ela lembrou que a necessidade de sistematização de dados e estatísticas na área está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com o Sistema de Garantias de Direitos (SGD), que, aponta Elisa, “nunca foi totalmente implementado no país”. Além disso, a Lei 12.594 / 2012, (Lei do Sinase), também estabeleceu a realização de uma avaliação nacional do sistema socioeducativo a cada três anos, sendo que a primeira delas deveria ter ocorrido em 2015, o que não aconteceu.

Disse ainda que “é impossível propor medidas favoráveis à infância e à sociedade sem a avaliação do sistema como um todo, já que o fato de um crime vai muito além da prática”, e lembrou da tortura em andamento nas unidades socioeducativas, o que inclui, além da superlotação, práticas de violência física e psicológica.

Por fim, chamou a atenção de todas e todos para dois pontos ainda pouco observados no texto da Proposta de Emenda à Constituição: o que deixa a aplicação da maioridade penal, em cada caso, a critério do promotor de Justiça, e o de justificar essa redução com base no histórico social e individual do adolescente ou de sua família.

– E o que é isso senão a criminalização da pobreza, das nossas raças, dos credos, das religiões e de todos os aspectos filosóficos que envolvem a nossa vida? Deixar nas mãos de uma pessoa decidir se o meu histórico pregresso de vida e o da minha família, ou seja, de pessoas que muitas vezes eu não tenho o controle e por isso eu não posso determinar as suas próprias escolhas, atuem contra a minha pessoa para definir se eu sou capaz ou não de responder por um ato infracional – observou Elisa.

No exterior, percentual de reincidência entre adolescentes encaminhados à Justiça comum preocupa

Participando da audiência pública, a diretora-executiva da Divisão de Direitos das Crianças e Adolescentes do Human Rights Watch, Zama Neff, listou cinco motivos pelos quais a organização não aprova a ideia de redução da maioridade penal no Brasil e, entre eles, o de que a proposta não tornará o país mais seguro. Para explicar melhor sua posição, ela apresentou o dado de uma agência norte americana que revela: adolescentes encaminhados para o sistema de Justiça comum são 34% mais propensos a serem presos novamente do que jovens mantidos no sistema juvenil.

– O departamento de Justiça dos Estados Unidos identificou, em 2010, que julgar adolescentes no sistema de Justiça comum não produz proteção para a comunidade, mas aumenta substancialmente a reincidência porque a maioria dos adolescentes privados de liberdade eventualmente retornam às suas comunidades levando com eles traumas que viveram enquanto presos e esses traumas têm consequências profundamente negativas para a sociedade – disse.

Abordando a questão do combate à violência no Brasil, o conselheiro voluntário da Educafro e assessor do Ministro Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Irapuã Santana da Silva, apresentou pesquisa informando que apenas 6,7% dos inquéritos abertos no país viram denúncia, ou seja, 93,3% dos crimes registrados não são resolvidos.

– Então eu pergunto a vocês: qual é a efetividade de diminuir a idade para se promover uma ação penal se a gente não consegue resolver crimes de roubo, por exemplo? A questão dos homicídios é ainda pior: apenas 4% viram denúncia – alertou. 

Em seguida, a presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Adpergs), Juliana Coelho de Lavigne, lembrou que, ao estudar a Proposta de Emenda Constitucional, verificou que em 2014 houve o reconhecimento de que a maioridade penal está incluída na questão das cláusulas pétreas da Constituição Federal, tendo ocorrido a rejeição dessa pretensão.

– A redução da maioridade penal voltou novamente ao debate e hoje ficou bem claro nessa mesa o quanto voltar no assunto representa um retrocesso. E é mais importante ainda salientar esse retrocesso quando a gente para e pensa na total falência do sistema prisional. Chega a ser totalmente paradoxal pensar nessa falência e, ao mesmo tempo, querer colocar um adolescente em desenvolvimento dentro do sistema – observou 

Também participaram da audiência pública Maria Laura Canineu, diretora do escritório no Brasil do Human Rights Watch e intérprete de Zama Neff; o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Renato da Costa Figueira; e o doutor em Direito Penal Cezar Roberto Bitencourt.

Texto: Bruno Cunha



VOLTAR