No dia 7 de agosto de 2006, a Lei 11.340 foi sancionada e entrou em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano. Logo, ficou conhecida como a Lei Maria da Penha, uma homenagem à mulher que foi símbolo da luta pelo reconhecimento da violência contra as mulheres e de uma legislação garantidora de direitos. Foi uma grande conquista para toda sociedade brasileira, mas, na prática, ainda há muito a ser feito, a começar pela própria aplicação efetiva da lei.

Coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Arlanza Rebello, concedeu entrevista ao portal da Defensoria na qual fez um balanço dos 9 anos da Lei Maria da Penha. Além de falar sobre os próximos desafios, a defensora ressaltou também a importância e o viés de proteção às mulheres caracterizada na lei e explicou um pouco do trabalho do Núcleo que coordena. Leia abaixo:

Como você avalia a atual situação da violência contra a mulher no Brasil? Quais os avanços da Lei Maria da Penha nestes nove anos?

A situação da Lei Maria da Penha, sem dúvida, significou um grande avanço no enfrentamento da violência contra mulher. Ao longo desses nove anos, nós temos inúmeras políticas públicas que foram criadas a partir dessa política maior que foi a Lei Maria da Penha: centros de atendimento, juizados, núcleos especializados da Defensoria, serviços envolvendo a questão do atendimento à mulher em situação de violência foram criados em todos Brasil, estatísticas e pesquisas começaram a ser feitas, então, isso é um grande avanço. Reconhecer essa realidade e começar a estudá-la e enfrentá-la com políticas especializadas. Esse novo viés foi, sem dúvida, a Lei Maria da Penha que trouxe.

A Lei da Maria da Penha é uma lei de proteção, muito mais do que uma lei punitiva, uma lei de criminalização do agressor. E é justamente esse aspecto da lei que temos que valorizar. Esse aspecto que traz a ela um diferencial em relação a toda legislação penal que temos. Isso porque nossa legislação penal responde sempre a um clamor punitivo da sociedade, isto é, nosso sistema de justiça vê apenas a punição como solução.

A Lei Maria da Penha traz a proteção à mulher: desde a delegacia, passando pelo Ministério Público, passando por novas atuações da Defensoria, pelo Tribunal de Justiça. Ela traz novos papeis aos atores do sistema de justiça e sempre com atitudes e ações de defesa da mulher.

Quais os próximos desafios?

O grande desafio hoje é não permitir que esse aspecto da Lei Maria da Penha se perca em nome de um punitivismo que é sempre muito forte. Se você for pensar na legislação do feminicidio, qual era a ideias dos movimentos sociais, dos movimentos de mulheres quando se pensou o feminicidio? Que uma realidade muito grave tenha nome, pois quando ela tem nome, ela é reconhecida e, assim, pode se pensar em políticas públicas para enfrentá-la. Então, quando queremos que a morte de uma mulher, numa questão de gênero, tenha um nome como o feminicidio é para marcar: mais uma mulher que morreu por essas razões. E o que aconteceu no congresso com o projeto? O projeto acabou virando mais um projeto extremamente punitivo.

Então, o grande desafio hoje para quem acredita e aplica a Lei Maria da Penha é não permitir que ela seja engolida e desfigurada diante dessa ideia sempre muito punitiva.

Temos que tomar o cuidado para a lei não ser usada apenas para punir. Todos que aplicam a lei devem valorizar - a Defensoria Pública em especial - essa defesa da mulher, as medidas de proteção à mulher devem ser valorizadas, os defensores devem brigar por essas medidas.

Porque se você for, inclusive, entrevistar mulheres, a maioria delas diz que quer fazer cessar a violência. Ela não necessariamente quer ver o agressor na cadeia, punido. Na verdade, ela que fazer alguma coisa cessar. Quando ela busca a polícia, quando ela busca o judiciário, ela quer ver aquele ciclo de violência quebrado.

Como está a situação do Rio de Janeiro?

O Rio de Janeiro tem uma situação singular na medida em que nós temos onze juizados de violência domestica, onde, em todos eles, há Defensoria, assim como em todo estado. Então, isso dá a aplicação da lei em maior capilaridade e com mais facilidade. Em outros estados, é comum que serviço de atendimento da violência contra a mulher esteja nas capitais, enquanto as cidades do interior ficam abandonadas.

Apesar de ainda estar distante do ideal, o estado do Rio é especial porque ele tem uma rede e serviços também no interior, a Defensoria está em todo interior. Fora da capital e da região metropolitana nós não temos juizados especializados em violência doméstica, mas temos outros juizados que fazem também o que devem fazer: a aplicação da Lei Maria da Penha.

De modo geral, o estado do Rio de Janeiro é bem servido de serviços, não que estejamos satisfeitos, longe de estar. Mas se compararmos com outros estados, temos uma boa posição.

Mas nós esbarramos numa grande dificuldade que é a resistência do sistema de justiça. Ou seja, ainda temos juízes que não acreditam na lei, defensores e promotores que não acreditam na lei. Temos um judiciário muito conservador.

Qual a atuação e importância do Núcleo de Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria, o Nudem?

 O Nudem irá fazer 18 anos em novembro: é o mais antigo do Brasil, em termos de Defensoria, e vem construindo ao longo do tempo, junto com outros serviços da rede essa política de enfrentamento à violência domestica. O Nudem tem participado desse crescimento dessa política de enfrentamento. Hoje, o Nudem é um núcleo consolidado, respeitado e conhecido nacionalmente: serviu de modelo para outros núcleos de outras defensorias pelo país.

Atualmente, o Nudem representa uma política institucional muito importante porque ele tem duas linhas básicas de enfrentamento à violência. A primeira é o atendimento direto às mulheres em situação de violência: um atendimento sensível, humanizado, extremamente qualificado e reconhecido por isso.

Uma mulher hoje que vai ao Nudem ela não tem fila de espera, é atendida na mesma hora, com rapidez, com uma equipe técnica pronta para atender a mulher integralmente, em todas as suas necessidades, principalmente no atendimento jurídico.

O Nudem, além de dar esse atendimento jurídico, faz parte da rede serviços. Ou seja, nós frequentamos as reuniões da rede e temos um diálogo frequente com os outros setores da sociedade, outros institutos e órgãos. De modo que nosso trabalho flui com tranquilidade, sem entrave ou burocracia. Porque a mulher precisa ser vista na sua integralidade e é a soma dos serviços que vai resultar nisso. O Nudem está absolutamente inserido neste contexto

Por outro lado, o Nudem é responsável por trazer a discussão pra dentro da instituição, para dentro da Defensoria. Então, trabalhamos internamente, criando uma política de defesa da mulher, trazendo a discussão, fazendo eventos. E, também, mostrando à população quem é e o que faz a Defensoria. Concluindo, são duas linhas de trabalho do Nudem: uma é o enfrentamento direto da violência atendendo às mulheres e a outra é criando condições para que a Defensoria, cada vez mais, entende a gravidade da violência doméstica e da violência de gênero.

 



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