A Defensoria Pública do Rio conseguiu, nesta sexta-feira (25), no Plantão Judiciário Noturno, a suspensão imediata de mandado judicial anterior, expedido no último dia 16, que autorizava buscas e apreensões domiciliares coletivas e indiscriminadas no Jacarezinho e em quatro comunidades vizinhas. As incursões policiais na região ocorridas em agosto foram respaldadas por mandado genérico, não nominal e sem endereços específicos, medida “absoluta e flagrantemente nula”, segundo texto do recurso.
— O padrão genérico e padronizado com que se fundamentam decisões de busca e apreensão em ambiente domiciliar em favelas e bairros da periferia – sem suficiente lastro probatório e razões que as amparam – expressam grave violação ao direito dos moradores —, esclarece a decisão do desembargador João Batista Damasceno.
A decisão destaca ainda que estava em vigência um mandado “expedido com eficácia territorial ampla, geograficamente impreciso, que não se preocupa em determinar o fato concreto a ser apurado”. E acrescenta: “O abandono das regras e dos princípios jurídicos não é permitido nem em tempo de paz contra os cidadãos, nem em tempo de guerra contra os inimigos. Mesmo as guerras têm as suas leis e os Estados que as violam cometem crimes de guerra”.
O pedido da Defensoria de habeas corpus, em caráter liminar, para toda a população do Jacarezinho e adjacências, foi feito para proteger “justamente os direitos e garantias individuais daquelas pessoas que não estão envolvidas com os crimes que se pretende ver punidos”.
— É como se todos os moradores de favelas fossem inimigos ou adversários do interesse público e, por isso, não tivessem direito à proteção à vida, à integridade e a outros direitos essenciais à condição humana. — explica a defensora pública Livia Casseres, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e também coordenadora do Núcleo contra a Desigualdade Racial.
Dados do Instituto Pereira Passos, com base no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, dão conta de que vivem no Complexo do Jacarezinho quase 40 mil pessoas, em cerca de 11,5 mil domicílios.
O mandado de busca e apreensão coletivo que permitiu ações da polícia na área do Jacarezinho foi expedido por uma juíza do Plantão Judiciário Noturno, em 16 de agosto. Antes disso, a Polícia Civil já havia recebido negativa em dois pedidos de autorização similar: o primeiro no dia 11, também no Plantão Judiciário Noturno, e outro no dia 14, junto à 39ª Vara Criminal.
O recurso ajuizado pela Defensoria Pública destaca que os moradores do Jacarezinho e adjacências precisam ter preservados “sua privacidade, seu direito de propriedade, sua liberdade, sua segurança individual". E ressalta ter havido “chancela judicial oferecida pelo Poder Judiciário para o levantamento da legalidade democrática na região, deixando as portas abertas para retaliação contra toda uma comunidade inocente, o que envolve milhares de famílias trabalhadoras e extremamente vulneráveis”.
As tentativas de obter concordância da justiça a investidas no Jacarezinho tiveram início horas após a morte do policial civil da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), Bruno Buhler, atingido, na tarde do dia 11, por um tiro no pescoço, em operação para cumprimento de 23 mandados de prisão, esses sim individualizados.
Segundo os defensores que assinam o pedido de habeas corpus, “o falecimento do agente da CORE foi o estopim de uma série de ações de retaliação”. E o mandado judicial deferido pelo Plantão Judiciário Noturno, medida “imprecisa, indeterminada e que legaliza a invasão indiscriminada de qualquer domicílio naquelas localidades”, ou “um cheque em branco para devassas domiciliares de forma indiscriminada”.
Além de atuar junto à Justiça para garantir os direitos dos moradores de Jacarezinho e comunidades vizinhas, a Defensoria também cobra da secretaria de Segurança Pública e do comando-geral da Polícia Militar, explicações e providências sobre as operações registradas na região desde a morte do agente Buhler. As autoridades têm até o próximo dia 5 para responder o que motivou as incursões, se houve uso de helicópteros para disparo de arma de fogo sobre a favela, se há registro de imagens e de monitoramento por GPS e se já estão em curso investigações sobre a morte do policial civil e de três pessoas comprovadamente não envolvidas em conflito, além de apuração sobre as circunstâncias em que uma quarta vítima inocente sofreu lesões graves.
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