O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio enviou, nesta segunda-feira (21), ao secretário de estado de Segurança, Antonio Roberto Cesário de Sá, e ao comandante-geral da Polícia Militar, Wolney Dias Ferreira, ofícios solicitando informações e providências sobre as intervenções policiais no Jacarezinho. Em até 15 dias, os destinatários devem responder quais são os objetivos específicos das ações iniciadas em 11 de agosto, se há apuração sobre as mortes registradas desde então, que medidas foram adotadas para a proteção dos moradores e se há GPS e câmeras nos veículos blindados utilizados nas incursões..
Na sexta-feira (18), a defensora pública Livia Casseres e o ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, reuniram-se, na quadra da Unidos do Jacarezinho, com cerca de 120 moradores, comerciantes, representantes de igrejas da localidade e de outras regiões da cidade alvos de ações da polícia. Os relatos serviram de base à elaboração do pedido de explicações feito às Secretaria de Segurança e ao comando-geral da PM.
— Queremos montar uma estratégia conjunta com os moradores pra enfrentar e resistir a essa política covarde que tem exterminado parte da população. A Defensoria Pública está preocupada com a situação dos civis, submetidos a estado de exceção, de ilegalidade completa, em operações policiais cuja lógica é de confronto, de retaliação, de castigo coletivo. É praxe, em territórios de favelas, onde os serviços públicos são precários, que a intervenção do estado chegue somente pelo braço armado. Os abusos são generalizados e sistemáticos —, resume Livia Casseres, que também é coordenadora do Núcleo contra a Desigualdade Racial (Nucora).
Os defensores públicos requerem às autoridades que prestem esclarecimentos sobre as mortes registradas no Jacarezinho nos últimos dias, dentre elas as de pelo menos "três pessoas comprovadamente não envolvidas nos conflitos com os agentes da lei”: o mototaxista André Luiz Medeiros, o verdureiro Sebastião Sabino da Silva e a cozinheira Gerogina Maria Ferreira. Uma quarta vítima, a manicure Adriene da Silva Souza, que foi atingida por um disparo na cabeça, está internada no Hospital Salgado Filho.
“Quais são os objetivos específicos das ações policiais (...) com ampla afetação dos direitos fundamentais dos moradores da localidade – inclusive a morte de pelo menos três pessoas inocentes e o grave ferimento de outros inúmeros cidadãos – bem como dos serviços públicos de educação, saúde e transporte?”, questionam os ofícios.
O secretário de Segurança e o comandante-geral da PM terão que detalhar as medidas adotadas “para proteção dos direitos fundamentais dos habitantes da favela do Jacarezinho que não representam risco à integridade dos agentes estatais”, além de confirmar se foi utilizado helicóptero para disparos de arma de fogo e, em caso positivo, “qual o protocolo de atuação”?
Além disso, o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos quer respostas sobre existência de sistema de monitoramento via satélite (GPS) ou câmeras nos blindados que entraram no Jacarezinho e, se houver, que sejam fornecidos dados sobre as trajetórias dos veículos, bem como as imagens registradas nos últimos dez dias.
“Será dada continuidade por este Comando às incursões da Polícia Militar na região da Favela do Jacarezinho, não obstante os gravíssimos efeitos sofridos pela população da região e a interrupção dos serviços e atividades essenciais?”, prossegue a Defensoria, que solicita ainda informações sobre a presença de ambulâncias nas operações, medida prevista em lei para ocasiões em que houver efetivo, civil ou militar, superior a cinco agentes.
O ofício enviado ao secretário de Segurança contém outras interrogações. O Nudedh cobra informações, com número do procedimento instaurado e dados sobre a delegacia responsável, sobre investigação das circunstâncias das mortes de civis resultantes da intervenção policial. Cobra ainda se foi aberta investigação sobre a morte de um policial da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no dia 11, quando tiveram início as incursões no Jacarezinho.
“Foi instaurado inquérito policial para apurar as circunstâncias da morte do policial Bruno Guimarães Buhler?”, diz o ofício. Em caso afirmativo, os defensores públicos do Nudedh querem detalhes, inclusive sobre eventuais mandados judiciais de prisão ou de busca e apreensão decorrentes do procedimento.
Por fim, cabe ao secretário Antonio Roberto Cesário de Sá explicar ainda se “tem conhecimento e/ou avaliza as declarações” feitas pelo delegado Marcus Vinicius Amin Fernandes de que as incursões no Jacarezinho “constituem uma caçada à quadrilha de traficantes, em retaliação à péssima escolha de atentar contra a vida de um homem de elite”, segundo noticiado pela imprensa.
“As intervenções policiais os territórios das favelas do Rio de Janeiro não pode ir de encontro à proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos que habitam essas áreas”, destacam os documentos. “Cabe às forças de segurança a efetivação de combate à criminalidade e aplicação de uma política pública de segurança cidadã (...) mantendo a salvo a vida, integridade física e mental de todos os civis residentes nas áreas em que se realizam operações armadas”, finalizam os defensores públicos nos dois ofícios.