A condenação de um cabo do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro por supostamente ter praticado crime de deserção levou a Defensoria Pública a contestar a sentença de 1º grau sob a alegação de que há distinção entre as várias espécies de serviço militar, se voluntário ou não, se em tempo de guerra ou de paz. O defensor público Thiago Belotti, que atua junto à Auditoria Militar, considera a punição no âmbito criminal “um excesso” e, no recurso impetrado no último dia 4, requer “declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto” do art. 187 do Código Penal Militar.
— Não faz o menor sentido a criminalização da deserção na hipótese de serviço militar voluntário e em tempo de paz. Nessas circunstâncias, a aplicação de punição criminal ao delito de deserção revela-se inconstitucional. É preciso ficar claro que não se trata de arguir a inconstitucionalidade do art. 187 do Código Penal Militar para todas as hipóteses, mas sim reconhecer que é inconstitucional aplicá-lo especificamente nesse caso. O que se pretende é reconhecer que a lei ou ato normativo, sob algum aspecto, em dada situação, sob determinada variante, revela-se em descompasso com a Constituição — explica Belotti.
O cabo foi enquadrado no art. 187 [Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias] e condenado a seis meses de detenção em regime aberto. Ele ingressou na corporação pelo único caminho possível, o concurso público, o que confere ao serviço prestado por ele caráter voluntário, já que tem o direito potestativo de pedir baixa a qualquer momento, inclusive sem necessidade de fundamentação.
Tal condição, segundo o defensor público, torna característica a situação do réu.
— Há no Brasil três modalidades diversas de serviço militar: voluntário em tempo de paz, obrigatório e em tempo de guerra, e cada uma delas deve ser tratada na medida de suas especificidades. É nítida a distinção entre o serviço militar voluntário exercido pelo apelante, que ingressou nas fileiras do CBMERJ por concurso público, e o serviço militar obrigatório, em que o recrutamento se dá por seleção, convocação, incorporação ou voluntariado, em geral pelo período de doze meses e sem que o engajado possa pedir baixa — esclarece.
Desconsiderar esses pressupostos, analisa Belotti, é ferir o princípio da isonomia, que deve ser analisado, inclusive, à luz da capacidade eleitora dos militares de carreira e dos conscritos, esses últimos inelegíveis e sem direito a voto durante o período do serviço militar obrigatório.
— No tocante à deserção em tempo de guerra, vale destacar que se o crime for perpetrado na presença do inimigo a pena pode ser a de morte. Mais uma vez resta patente a distinção entre o serviço prestado pelo apelante (em tempo de paz e voluntário), o serviço militar obrigatório e o em tempo de guerra. Ausências durante o serviço militar obrigatório ou em tempo de guerra não podem receber o mesmo tratamento jurídico das ausências do militar que presta serviço de caráter voluntário — diz o recurso.
O pedido de reforma da sentença contém argumentos também segundo os quais a pena imposta ao cabo fere os princípios da proporcionalidade e da intervenção mínima.
— O regulamento disciplinar do CBMERJ estabelece claramente que a falta ao serviço é infração disciplinar, de sorte que a não criminalização da conduta não significa sua impunidade. Bastaria punição no âmbito administrativo, o que poderá levar inclusive à prisão administrativa por até 30 dias ou ao licenciamento do infrator a bem da disciplina. É desproporcional a criminalização da deserção no serviço voluntário em tempo de paz.
Ainda de acordo com o defensor Belotti, não se trata de tentativa de “equiparação do regramento jurídico dos militares aos regramentos das categorias civis de servidores públicos. Pretende-se apenas que a interpretação da norma do art. 187 do Código Penal Militar não leve ao absurdo”, daí o pedido de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto” que, nesse caso em particular, se atém apenas a evitar a aplicação do Código Penal castrense em hipótese incompatível com a Constituição.