Dos 393 custodiados, apenas 109 foram questionados sobre a ocorrência de agressões 

 

Para além de avaliar a necessidade de manter ou não a prisão das pessoas detidas em flagrante, a audiência de custódia, que prevê a apresentação do acusado a um juiz dentro de um prazo de 24 horas, também tem como objetivo verificar se a detenção ocorreu de forma regular e sem a ocorrência de maus-tratos por parte dos policiais. No entanto, uma pesquisa com 393 presos submetidos ao procedimento no Fórum da Barra Funda, em São Paulo, que apresentavam sinais de terem sofrido violência, mostra que apenas um caso resultou na abertura de inquérito para apurar o fato. 

A pesquisa, intitulada Tortura Blindada, foi apresentada na Defensoria Pública do Rio de Janeira pela organização não governamental Conectas, nesta sexta-feira (9), durante o Seminário Sistema de Justiça no Combate à Tortura: Quais os Avanços Possíveis no Tratamento dos Casos de Violência Praticada por Agentes Públicos. Carolina Diniz, pesquisadora da ONG, explicou que o objetivo do estudo foi analisar a reação das instituições do sistema de Justiça diante do relato de tortura. 

A pesquisadora explicou que a entidade acompanhou diversas audiências de custódia em São Paulo. Contudo, só levou em consideração no estudo os casos nos quais as pessoas presas em flagrante apresentavam sinais ou marcas de maus-tratos. Segundo a pesquisa, dos 393 custodiados submetidos à audiência, apenas 109 (ou seja, 1/3) foram questionados pelo juiz que presidia o procedimento sobre a ocorrência de agressões. 

Ainda segundo o estudo, em 80% dos relatos de agressão, o Ministério Público, que é o responsável pelo controle da atividade policial pela Constituição, não fez qualquer intervenção. Além disso, em 72% dos casos, a determinação final foi para que as corregedorias das próprias Policias investigassem os fatos. 

– Quando havia o relato de violência, a intervenção das instituições de Justiça era geralmente para deslegitimá-lo – afirmou a pesquisadora. 

O defensor Daniel Lozoya, subcoordenador do Núcleo de Direitos Humanos da DPRJ, destacou que, apesar de vivermos em uma democracia formal, temos no Brasil um quadro de violação sistemática de Direitos Humanos. Ele citou como exemplo disso o superencarceramento.   

Para o defensor, a audiência de custódia, prevista nos tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, é uma oportunidade para o país rever suas práticas. No entanto, pode representar um risco se os atores do sistema de Justiça continuarem mostrando-se lenientes com relação à agressão praticada pelas forças de segurança. É que a falta de apuração e punição pode contribuir para a legimitimação da violência institucional. 

– É a hora de as instituições do sistema de Justiça atuarem para mudar esse estado de coisas – afirmou.  

A promotora de Justiça Eliane Pereira também destacou a importância do estudo para que avanços ocorram na atuação dos diversos atores do sistema de Justiça. 

– O que vocês pesquisaram na Barra Funda poderia ser identificado também aqui [no Rio]. Nada mais emblemático para a mudança que a audiência de custódia. O MP precisa se implicar. Não é um exercício fácil, mas necessário para este caminhar – afirmou.

Texto: Giselle Souza. 

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