As defensoras públicas Ana Carolina e Patricia Porto em audiência pública na Alerj
Passados oito anos da publicação do decreto que determinou a desapropriação das terras onde seria construído o Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB), no Norte Fluminense, pouquíssimos agricultores de lá retirados receberam o pagamento integral da indenização devida pelo Estado. Para se ter uma ideia, dos 229 agricultores alvos de processo de desapropriação ajuizados na 2ª Vara da Comarca local pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin), menos de 5% receberam o valor total. Além deles, um grupo de menos de 10% obteve 80% da quantia a qual têm direito.
Preocupada com a situação, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) acompanha o caso com atenção e informa: os números não param por aí. Em audiência pública sobre a demanda realizada na Assembleia Legislativa (Alerj), nesta quinta-feira (8), a instituição aponta que, além das 223 ações em trâmite na 2ª vara, há outras tantas em curso no Fórum de São João da Barra e elas totalizam 476 processos de desapropriação.
– Logo após a publicação do Decreto desapropriatório e antes da imissão na posse, o Estado do Rio de Janeiro, por intermédio da CODIN, celebrou um contrato no qual passa a titularidade das terras adquiridas, através da desapropriação, para a empresa LLX, que pertencia ao empresário Eike Batista. Ou seja, aquela quantidade toda de terras passou a pertencer a uma empresa particular. Em um primeiro momento, transferiu-se a posse, e, após o término das desapropriações, a propriedade seria transferida da CODIN para essa empresa – destacou na audiência a defensora pública Patricia Porto, atuante no caso.
Segundo ela, a legislação que trata da desapropriação para fins de utilidade pública até prevê a possibilidade de revenda ou de locação de terras, mas exige que a transação seja realizada tão somente para as “empresas previamente qualificadas”, já que determina a realização de um processo semelhante ao da licitação para isso, o que não ocorreu no caso do Açu.
– Quase 10 anos depois, o grande empreendimento do Distrito Industrial não aconteceu. As terras estão vazias, totalmente improdutivas e apenas com mato, o que demonstra o total abandono daqueles que se apropriaram delas sob o manto de um decreto – disse Patricia.
Também atuante no caso, a defensora pública Ana Carolina Palma de Araújo ressaltou que a finalidade e o motivo da edição do decreto “foram qualquer coisa, menos a garantia do interesse público”. Ela lembrou do apurado pela operação Lava-Jato sobre as relações existentes entre Eike Batista e o governador Sérgio Cabral, à frente do Executivo na época da publicação da medida, e que resultaram na imputação da prática do crime de corrupção, conforme consta na ação em curso na 7ª Vara Federal Criminal do Rio.
– Nessa ação criminal há expressa menção às desapropriações realizadas nas terras do 5º Distrito de São João da Barra. O Ministério Público Federal narra na denúncia que as desapropriações para a instalação dos empreendimentos ligados ao Porto do Açu ajudaram a garantir para o então governador – assim como outros empreendimentos levados a efeito pelo grupo X no Estado – o recebimento indevido de mais de 16 milhões de dólares. Com isso, a finalidade e o motivo das desapropriações restaram evidenciados: possibilitar uma troca de favores, favorecendo, portanto, o interesse particular consistente na aquisição, por um único empresário, de aproximadamente 1/3 das terras de São João da Barra – disse Ana Carolina.
Pesquisador do Instituto Federal Fluminense e também da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Roberto Moraes falou sobre os estudos por ele iniciados com o lançamento da pedra fundamental do Porto do Açu e que, mais tarde, avançaram no acompanhamento dos sistemas portuários do estado do Rio. Ele ainda visitou portos na Europa e na África.
– Observando tudo o que transcorreu ao longo desses anos, podemos dizer que o porto pode funcionar sem a necessidade de ocupar essa imensa área. (...) Com isso, a gente identifica que houve uma perda do objeto e da finalidade daquelas desapropriações, além de um processo de estrangeirização das terras – observou.
Os problemas com o meio ambiente também foram mencionados na audiência pública. De acordo com o presidente da Associação dos Proprietários de Imóveis e Moradores do Açu, Campo da Praia, Pipeiras, Barcelos e Cajueiro (ASPRIM), Rodrigo Santos, o lençol freático foi contaminado pela salinização com a chegada do estaleiro. Há mais de 40 anos na lavoura, ele também lembrou o drama vivido pelas famílias com a queda de 85% na produção agrícola.
– Foi traumático para as famílias: com a produção dizimada e ainda com a salinização, perdemos cada vez mais a capacidade de transformar terra em produtos para a mesa dos senhores e para todo o estado do Rio de Janeiro, que só veio a perder porque nós éramos os primeiros na produção de maxixe. Estávamos em segundo na produção de abacaxis. Além disso, havia mais de 3.500 cabeças de gado nessas áreas, o que também deixou de ser uma fonte de renda – enfatizou Rodrigo.
Segundo ele, o decreto para a implantação do Porto do Açu e do complexo industrial atingiu 1.500 famílias diretamente e mais de 3 mil famílias, indiretamente, “no sistema de comercialização e na distribuição dos produtos”.
Situação judicial
Com tantos problemas, um grupo de famílias passou a ocupar uma área do Distrito do Açu no dia 19 de abril e, no dia 12 de maio, receberam autorização da Justiça para permanecer no local por mais 40 dias. Nesse período, analisarão um acordo apresentado pela Codin, pela Grussaí Siderúrgica do Açu (GSA) e pela Porto do Açu Operações (que é a nova denominação da LLX Açu Operações), todas autoras de uma ação da reintegração de posse para a retirada das famílias de lá.
Foto: Guilherme Cunha / Alerj