Defensora Lívia Casseres faz sustentação na Corte Interamericana de Direitos Humanos 


 

Garantir proteção jurídica à identidade de gênero autopercebida, muito mais do que expressar um direito ao nome, representa o reconhecimento formal e amplo de uma forma de existir no mundo. Foi o que defendeu a defensora Lívia Cassares, coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e dos Direitos Homoafetivos (Nudiversis) da Defensoria Pública do Rio de janeiro (DPRJ), na última quarta-feira (17), durante a audiência pública promovida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na Costa Rica. O procedimento pode resultar na edição de um parâmetro para os países da América Latina e do Caribe que os obrigue a criarem meios mais rápidos, simplificados e gratuitos para as pessoas transexuais que desejam trocar o nome e o sexo nos documentos oficiais.

A audiência, que aconteceu no Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, foi marcada em razão de uma consulta feita pelo Estado da Costa Rica à CIDH para que a Convenção Americana de Direitos Humanos seja interpretada no sentido de proteger a identidade de gênero autorreconhecida das pessoas transexuais. 

Diversas entidades da América Latina e Caribe que atuam em defesa dos direitos da população trans participaram da audiência, relatando como a questão é tratada nos seus países de origem e destacando as consequências práticas do não reconhecimento formal da identidade de gênero. Lívia destacou que no Brasil a retificação do nome e do sexo nos documentos de forma administrativa – ou seja, diretamente nos cartórios de registro civil – ainda não é possível como regra. É necessário entrar com uma ação na Justiça, que pode levar mais de cinco anos para ser julgada, segundo revelou uma pesquisa feita pelo Nudiversis sobre as ações que moveu entre 2010 e 2016.

Neste período, a Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria Pública analisou 170 processos judiciais em tramitação na Capital e na região metropolitana do Rio. Desse total, apenas 69 foram sentenciados – sendo 47 para conceder de forma integral o pedido; e outros 17, de forma parcial. Segundo o estudo, constatou-se que as decisões se dividem em quatro sentidos: as que negam a possibilidade da pessoal trans mudar o nome e gênero nos documentos; as que permitem a alteração do nome, mas não do gênero; as que autorizam a mudança do nome e gênero desde que a pessoa se submeta à cirurgia de alteração de sexo; e, por fim, as que permitem as alterações sem qualquer condicionamento.

– Outro ponto a ser destacado é a diversidade de exigências probatórias dos julgadores, que em sua maioria, 56% dos casos, impuseram a realização de perícia médica, além de exigirem a apresentação de laudos médicos comprobatórios do “diagnóstico” de "disforia de gênero" e da realização da cirurgia correspondente – destacou a defensora. 

Para Lívia, a falta de reconhecimento é uma das principais causas da violência contra a população trans. Na sua fala, a defensora destacou dados da organização Transgender Europe que mostram que o Brasil registrou o maior número de homicídios de pessoas transexuais e de gênero diverso em todo o mundo, no período de janeiro de 2008 a dezembro de 2015. De acordo com o estudo, o país ficou em primeiro lugar no ranking com 805 mortes; seguido pelo México, com 229 mortes, e pela Colômbia; com 105 mortes registradas.

Na avaliação da defensora, o morticínio de transexuais e violência extremada é o resultado de um ciclo perverso de exclusão que se inicia pelo não reconhecimento da identidade de gênero autopercebida por parte das instituições estatais, o que representa em última instância a deslegitimação da própria existência da pessoa transexual.

– Quando o Estado brasileiro se recusa a reconhecer de forma célere, desburocratizada e digna o direito ao nome e o direito à identidade de gênero no registro civil, mas impõe à população “T”, ao contrário, a longa, onerosa e degradante via crucis do processo judicial, acaba por legitimar a exclusão das pessoas transexuais em todos os níveis da vida social – afirmou a defensora. 

Decisão
A audiência pública promovida pela CIDH durou todo o dia de quarta-feira. Os juízes ouviram com atenção as sustentações e fizeram diversas perguntas. O presidente do tribunal, juiz Roberto Caldas, afirmou que o tema discutido na audiência se encontra alinhado com os diversos direitos protegidos pela Corte Interamericana e que as manifestações e dados apresentados pelas diversas entidades ajudarão o tribunal a formular uma resposta à consulta formulada pelo Estado da Costa Rica. 

Ainda não há data, contudo, para o sistema interamericano emitir esse parecer. Mas uma vez adotada, a interpretação da Corte deverá ser aplicada por todos os países da América Latina e Caribe que ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos.



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