Em reunião na sede da Defensoria, manifestantes debatem medidas contra agressões

 

O relógio marcava 17h05 quando a bibliotecária Lúcia Santos deixou o trabalho, na Rua Uruguaiana, Centro do Rio, e rumou em direção à Praça da Cinelândia, que fica a apenas poucos metros de distância, para participar do ato da sexta-feira 27 abril, contra as reformas da previdência e trabalhista. Apesar do barulho das bombas que havia ouvido no decorrer do dia, se surpreendeu com o trajeto até então tranquilo, também percorrido por outros manifestantes.
 
No entanto, menos de 15 minutos de caminhada depois, se viu encurralada pela tropa de choque, então a postos na Rua 13 de maio. Em meio à correria, que não sabe ao certo como começou, e ao pânico que logo se generalizou, foi atingida na mandíbula por uma bala de borracha. Atendida na emergência do Hospital Souza Aguiar, passou por uma cirurgia, que constatou a laceração da glândula parótida e do nervo facial e que resultou em uma grande cicatriz, decorrente dos 21 pontos que tomou.
 
Lucia foi uma das inúmeras pessoas agredidas no dia da greve geral e das manifestações contra as reformas em tramitação no Congresso Nacional, que esteve na sede da Defensoria Pública do Estado do Rio na noite desta terça-feira (10). O objetivo do encontro foi debater a adoção de medidas para a responsabilização do Estado.  
 
Participaram do encontro, que aconteceu no auditório da DPRJ, o defensor público-geral, André Castro; o segundo subdefensor público-geral, Rodrigo Pacheco; o defensor do Núcleo de Direitos Humanos Daniel Lozoya; e o ouvidor da Defensoria, Pedro Strozemberg. Também estiveram presentes a procuradora Viviane Tavares e o promotor Luiz Fernando, do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público do Estado, assim como o deputado Flavio Serafini, membro da comissão de educação da Assembleia Legislativa, que também foi agredido na manifestação.
 
Violência gratuita

O que se ouviu no encontro foram relatos de brutalidade – e pior: de forma gratuita.

– Costumo ir a manifestações, mas não fico até o final porque sabemos que é quando ocorre a repressão. Mas neste ato, logo nos primeiros momentos, começaram a jogar bombas, para dispersar mesmo. O grande prejuízo foi coletivo, para aqueles que vão às ruas, pois violaram nosso direito à manifestação – contou Elisete Vianna, servidora da Defensoria Pública.
 
Relato parecido fez Aloísio Marcos do Nascimento Ferreira, funcionário dos Correios. Ele foi atingido por um tiro de borracha na testa.
 
– Eu estava em frente ao Theatro Municipal, quando veio a repressão. Então corri em direção à Rua Senador Dantas. E eles continuaram atirando, de graça – afirmou o servidor.
 
Vivian, professora da rede estadual, contou que estava na Lapa, já indo para casa, quando recebeu a ligação de uma amiga que estava com medo de sair sozinha da Cinelândia. Acompanhada de outras colegas, ela voltou ao local. Ao passar pela rua paralela à Câmara Municipal, em frente a um bar famoso, se deparou com uma senhora sendo arrastada por policiais. Ela começou a filmar a ação e a questionar para onde a mulher estava sendo levada.
 
– Eles então jogaram spray de pimenta para nos dispersar, mas não conseguiram – afirmou a professora, que na sequência acabou sendo atingida por um tiro de borracha na panturrilha direita.
 
A estudante Lorena Ferreira, que está há três meses sem receber a bolsa de iniciação científica a qual teria direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, relatou que foi atingida por uma bala de borracha na cabeça. André Alcântara, professor de Niterói relatou ter avistado policiais sobre motos atirando aleatoriamente nos manifestantes. Já Lúcia Santos, que abre esta a reportagem, conta que, ao fazer o Boletim de Ocorrência, seu caso foi classificado apenas como lesão corporal, apesar do risco real de morte que correu. 
 
– Havia suspeita de rompimento de artéria, por causa do excessivo sangramento, por isso a cirurgia. Não sei quais serão as lesões que terei. Vou precisar fazer acompanhamento com médico buco-maxilo- facial e uma neurologista. Por sorte, eles acham que qualquer sequela será temporária – desabafou a bibliotecária.
 
Medidas

Os representantes da Defensoria Pública, Ministério Público e do Legislativo prometeram uma atuação conjunta a fim de punir os excessos das forças policiais nas manifestações. Isso inclui o envio de petições ao Estado para informar a quantidade de bombas, gás lacrimogêneos e balas de borrachas usadas nos protestos e o custo de todo este aparado para os cofres públicos.
 
O defensor Daniel Lozoya também colocou o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria à disposição dos manifestantes. Ele destacou a importância de se reunir provas.
 
– Quem tiver interesse na reparação deve constituir advogado ou buscar a Defensoria Pública. Quanto mais coletar provas, melhor. Essa é uma conduta que incentivamos. O Estado tem que se responsabilizado, e não apenas pela via econômica. É importante que o Estado também seja obrigado a pedir desculpas públicas e adote medidas para não reiterar nestas práticas – afirmou.
 
A Defensoria Pública criou um e-mail para receber denúncias de abusos nos protestos – denuncia.defensoriarj@gmail.com. As informações poderão ser usadas em futuras ações por danos morais coletivos, a fim de garantir o direito à manifestação, previsto na Constituição.



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