Wallace quer ser bombeiro; Marcos, jogador de futebol; Kammily é uma aspirante à modelo e Sindielly mal pode esperar para advogar e lecionar. Nesta quarta-feira (3), eles se uniram a outros 15 alunos da turma 501 da Escola Municipal Allan Kardec, em Queimados, para uma aula diferente: conhecer a Defensoria Pública. Acordaram cedo, embarcaram no ônibus e partiram para uma lição de cidadania. “Quis trazê-los aqui para que eles possam sonhar”, justificou a professora Tatiana Cisne, que organizou a caravana.
 
A ideia da visita veio de uma postagem na página da Defensoria no Facebook, que no dia 8 de abril compartilhou a história do servidor Samuel Diogo (veja aqui). Menino pobre que já fez de quase tudo um pouco para sobreviver, ele hoje trabalha na área de Tecnologia da Informação do órgão e está perto de concluir sua graduação. Os estudantes ouviram atentos a sua história, que se por um lado é inspiração para muitos, por outro, exemplifica como as oportunidades dadas aos meninos e meninas do Brasil são desiguais. “Não fiz o ensino médio, consegui entrar na faculdade porque aproveitei a nota do Enem. Mas hoje sinto falta de alguns conteúdos que meus colegas tiveram e eu não”, compartilhou Samuel.
 
É preciso um esforço adicional para superar as desvantagens de uma sociedade desigual. Não era para ser assim. Os alunos da turma 501 descobriram que igualdade é um direito, como explicou a defensora Lívia Casseres, integrante do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria. Foi o gancho para explicar a razão de ser da instituição – assegurar o acesso à Justiça a todos os cidadãos, independente de sua condição financeira ou social. Muitos ali não sabiam que tinham profissionais qualificados para defendê-los de forma gratuita em questões que, aos poucos, foram se revelando triviais para eles, como pensão alimentícia e acesso à saúde. 
 
Coordenadora dos Núcleos de Combate ao Racismo (Nucora) e de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual (Nudiversis), Livia também falou sobre respeito: às diferenças, às escolhas, às tradições, ao ser humano, enfim. E aí, mais uma vez, os estudantes puderam compartilhar experiências e tirar dúvidas, aprendendo que situações cotidianas vividas por alguns deles podem ser casos de desrespeito, embora nem sempre explícitos.
 
Depois de ouvir e debater, todos foram conhecer as instalações da Defensoria. Visitaram uma das salas do setor de Informática, onde trabalha Samuel Diogo, o auditório, que recebia naquela manhã o debate sobre 16 Medidas contra o Encarceramento em Massa; a Assessoria de Comunicação. Na Central de Relacionamento com o Cidadão (CRC), viram como é o call center que recebe demandas pelo número 129 e pelo site da Defensoria 24 horas por dia.
 
O grupo foi recebido pelo defensor público-geral, André Castro, que agradeceu a visita e falou um pouco mais sobre o trabalho da instituição. O coordenador do Interior e da Baixada Fluminense, Marcelo Leão, também acompanhou o encontro, e entregou a cada um dos estudantes um exemplar do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “São os direitos e deveres de cada um de vocês”, ressaltou. O material será discutido em sala de aula.
 
A visita só foi possível graças ao trabalho da professora Tatiana. Quando viu o post no Facebook, achou que a história de Samuel tinha tudo a ver com o projeto “Hoje eu sou o que sou; amanhã, eu posso ser o que eu sonhei”, que desenvolve com os seus alunos. Conseguiu o apoio da direção da escola, foi atrás da Secretaria de Educação do município, garantiu o transporte e a autorização dos pais. “Um dia como o de hoje tem o poder de transformar uma vida. Quero que eles tenham aspiração de futuro, que saibam que há opções além da realidade da comunidade e que seus sonhos são possíveis. O objetivo é que eles se tornem multiplicadores de cidadania”, disse. 

Para Sindielly, de 10 anos, um desses sonhos já estava sendo realizado. Não foi apenas sua primeira visita à Defensoria, mas também ao município do Rio de Janeiro – como, aliás, para quase todos os outros estudantes. “Estou achando tudo ótimo, como um grande sonho mesmo. O que eu quero ser? Quero gostar do meu futuro”, resumiu, com a objetividade que só as crianças têm. Já Rayssa Ribeiro, de 11 anos, definiu em duas palavras tudo o que aprendeu nesse dia diferente: igualdade e respeito.

Diretor da escola, João Batista Cavalheiro falou da alegria de proporcionar uma experiência como aquela aos alunos. “Tenho certeza de que eles nunca vão esquecer o que viveram aqui. Foi um presente”, afirmou, antes de embarcar de volta a Queimados. Mal sabia ele que, para a Defensoria, o presente chegou com eles.

Texto: Débora Diniz
Fotos: Erick Magalhães

 



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