Como diz a música Vida Loka (part I), dos Racionais MC’s: “tenha fé porque até no lixão nasce flor”. No Jardim Gramacho, entretanto, onde funcionava o maior lixão da América Latina, em Duque de Caxias, não foi possível ver nenhuma flor durante a ação social da Defensoria Pública do Rio (DPRJ), em parceria com o Detran, neste domingo (26). Diante de todo o lixo, lama, abandono e da pobreza extrema, a única alegria vista naquele território eram as inúmeras crianças com suas purezas, sorrisos e imaginação.
Foi diante deste cenário que a ação social, organizada pela Coordenadoria de Programas Institucionais da Defensoria, foi responsável por 272 atendimentos, sendo 60 orientações jurídicas e 212 ofícios expedidos. Destes assistidos, 150 puderam solicitar a 2ª via da carteira de identidade e 49 da 2ª via da certidão de nascimento. A DPRJ entregará pessoalmente, em cerca de 30 dias, toda a documentação expedida na Ação Social, aos que não possuem condições de ir até o Cartório.
Para a defensora pública Carla Beatriz, que atua com pessoas em situação de rua no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), é muito importante que a Defensoria se faça presente nos locais onde ainda se encontram pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. A defensora Marisa Ottaiano também forneceu atendimento jurídico no local.
— No momento em que a Defensoria promove uma ação dessa, ela mostra que está acessível às pessoas. A entrega da documentação também otimiza o trabalho de todos , garante que estas pessoas consigam portar, de fato, seus documentos e resgatar suas cidadanias. Graças a interlocução entre o Nudedh e a Campanha Institucional neste domingo, também iremos promover uma capacitação com a equipe de trabalha nas ações sociais nesta terça-feira (28) — relatou Carla Beatriz.
O lixão, que funcionou de 1976 a 2012, recebia mais de sete mil toneladas de resíduos químicos e orgânicos por dia. Todo esse material era responsável pelo sustento dos catadores que compõem as 33 cooperativas de Jardim Gramacho. Com o fechamento do lixão, porém, a única fonte de renda das mais de 500 famílias que vivem no local acabou. A ex-catadora Deovânia da Silva, de 45 anos, tem cinco filhos e contou que desde que o lixão fechou ela não tem nada para fazer.
Todas essas pessoas que vivem às margens da baía de Guanabara e que são invisíveis para o Estado e para a sociedade passaram a viver, há cinco anos, de doações de roupas e comidas. Nada foi feito com todo o resíduo que era jogado no local durante esses 36 anos. De acordo com a Lei 12.305/10, além de fechar o lixão, o Estado deveria reconhecer e capacitar profissionalmente os catadores, além de incluí-los socialmente. Mas apenas uma minoria dos catadores recebeu indenização.
Carente de todos os serviços, Jardim Gramacho só possui escola e posto médico em Caxias. Camila Farias, de 38 anos e mãe de oito filhos e avó de cinco netos, foi a ação para tirar a identidade de dois filhos, um de 1 ano e outro de 15. Ela contou que já sentiu falta da documentação básica dos parentes para conseguir atendimento na Unidade de Primeiro Atendimento (UPA).
Na falta de uma vida digna, o tráfico se faz presente e se apresenta como um caminho aos que não têm nenhuma perspectiva de vida. E é assim que Camila luta para ressocializar seu filho de 15 anos, que ficou apreendido por tráfico recentemente. Diante da pergunta difícil do que ela vê como prioridade central para o lugar, ela elenca: atendimento médico, área de lazer e cursos de capacitação para inserir essas pessoas no mercado de trabalho.
Alexandre Freitas, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), mora no Jardim Gramacho desde 1998, quando o lixão de Nova Iguaçu, onde residia e trabalhava anteriormente, fechou. Seu maior sonho é ver o local urbanizado, com saneamento básico e moradia digna para todos. Ele também ressaltou que as doenças mais frequentes no local são dengue, chikungunya e tuberculose.
A garantia de documentação básica ainda é pouco diante do total abandono que os moradores de Jardim Gramacho vivem. A Defensoria estuda os caminhos possíveis para que estas pessoas possam exercer suas cidadanias e para que possam nascer, de fato, flores no antigo lixão.
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Texto e fotos: Thathiana Gurgel