Integrantes da força-tarefa enviada a Manaus (AM) pelo programa Defensoria sem Fronteiras, as defensoras públicas do Rio Livia Albuquerque França, Glauce Passos de Souza Maues, Rossana Bussade Macedo Bastos e Ana Cristina Fonseca do Valle se debruçaram sobre a situação de cerca de 400 dentre os 1300 presos da Unidade Prisional do Puraquequara. Entre 5 e 17 de fevereiro, elas cumpriram jornadas de até doze horas diárias, que incluíram análises processuais, interposição de peças defensivas e entrevistas pessoais. Na unidade, convivem, lado a lado, presos provisórios, presos condenados e já com direito à progressão de pena e até presos federais. Foi em Puraquequara que, na virada do ano, houve quatro casos de morte por decapitação.
— A experiência foi excelente e reforça a certeza do quanto a nossa Defensoria está bem estruturada — resumiu Rossana Bussade, que fez questão de explicar aos colegas do Amazonas como funciona a Central de Monitoramento Carcerário do Rio, responsável por informar aos defensores das varas criminais dados quanto à distribuição dos processos e à entrada de presos no sistema.
Segundo a defensora, alguns casos ilustram bem o quadro encontrado pela força-tarefa em Puraquequara. Rossana atuou em favor de um índio que, por manter um jabuti no quintal de casa, estava preso há dois anos, por crime contra a fauna. “Sequer era caso para julgamento. O índio deveria ter sido presumido inocente”, conta. Por ela passou também o processo de um detento que, por quebrar o cadeado da cela numa tentativa de fuga, recebeu uma segunda condenação, dessa vez por “crime contra o patrimônio público”.
— E ainda foi preciso habeas corpus para reconhecerem que o rapaz há muito já tinha direito a indulto —, lembra Rossana.
Cada uma das quatro representantes do Rio na força-tarefa atuou na defesa de cerca de uma centena de presos, muitos deles com até dez, 12 processos diferentes. Rossana chegou a trabalhar em casos da Justiça Federal, relativos a acusados de tráfico internacional de drogas.
O “gargalo” no andamento dos processos e as situações incongruentes constatados por Rossana Bussade também impressionaram a defensora Livia Albuquerque França, que realizou as entrevistas individuais com os presos.
— Muitos presos nem sabiam exatamente quem os estava defendendo. A unidade é privada e, na falta de defensores públicos, a assistência jurídica é feita por advogados da empresa que administra o local. É muito grande a carência do preso no tocante a informações básicas do próprio processo. A morosidade é enorme, especialmente na fase executória. Não vi nenhum caso em que tenha sido aplicada a figura de “tráfico privilegiado”, mesmo tratando-se de réu primário sem envolvimento com organizações criminosas – relata.
Livia se espantou com “penas altíssimas” e casos de presos que entraram no sistema em 2014 e ainda aguardavam julgamento. “Há provisórios que já estão presos há mais tempo que a pena referente ao crime de que são acusados”, disse a defensora, que também se deparou com presos cujo estado de saúde parecia preocupante, inclusive alguns acometidos por doenças contagiosas, como tuberculose.
Relatório parcial divulgado pela coordenação-geral do Programa Defensoria sem Fronteiras apontou que na Unidade Prisional do Puraquequara foram identificados 25 processos aptos para relaxamento de prisão, dois aptos para liberdade provisória, 91 para habeas corpus e 12 aptos para revogação de prisão.
A força-tarefa Defensoria sem Fronteiras contou com a participação de 76 defensores estaduais e federais. Foram analisados processos criminais de 5.200 presos de nove unidades do Amazonas. O balanço final será divulgado quando alcançada a meta de 5.600 presos e, para isso, os defensores do Amazonas estão incumbidos de atuar no caso de mais 400 homens e mulheres encarcerados. Defensoria sem Fronteiras é fruto de acordo de cooperação firmado em 31 de janeiro entre o Colégio Nacional de Defensores Públicos (Condege), o Ministério da Justiça e Cidadania e a Defensoria Pública da União.