Primeira pessoa a passar pela audiência e a ser liberada entrega homenagem a ministro na DPRJ

 

Antes da audiência de custódia ser implantada, quem fosse preso em flagrante esperava de três a quatro meses, privado de liberdade, para ter contato com o juiz em audiência, ocasião na qual seria julgado. Foi o que afirmou o defensor público-geral do Rio de Janeiro, André Castro, na apresentação do relatório produzido pela instituição, na tarde da última sexta-feira (21), sobre o primeiro ano do procedimento no Estado.

A audiência de custódia consiste na apresentação do preso em flagrante ao juiz, em um prazo máximo de 24 horas, para que ele avalie os requisitos legais para manutenção da prisão. A medida foi implantada no Rio de Janeiro no dia 18 de setembro de 2015. Segundo o relatório, a DPRJ representou 5.302 pessoas que passaram pelo procedimento até a mesma data deste ano. Isso representa 93,6% das pessoas submetidas ao procedimento.

Segundo o estudo, dos 5.302 presos representados pela Defensoria, 1.710 tiveram a liberdade provisória concedida após ser apresentado ao juiz. Outras 82 tiveram a prisão relaxada. O índice de soltura neste primeiro ano da audiência de custódia foi de 33,8%.

Do total de presos representados pela DPRJ – tanto os que foram liberados na audiência de custódia como no decorrer do processo penal – apenas 142 voltaram a ser apreendidos novamente em flagrante e, por isso, submetidos novamente ao procedimento. A taxa de reiteração criminosa neste primeiro ano da iniciativa foi de apenas 2,8%. Em média, o procedimento evitou o ingresso de duas pessoas por dia no sistema carcerário fluminense, que sofre com a superlotação.

Segundo André Castro, a audiência era uma realidade que parecia ser muito distante. Agora, consolidada, se mostra uma verdadeira política de estado que tem evitado prisões desnecessárias e ainda tem ajudado a diminuir o problema da superlotação nos presídios. A pesquisa, segundo o defensor público-geral, mostra que a iniciativa não contribuiu para o aumento da reincidência.

– Nada melhor do que passado um ano desta experiência, termos mecanismos de monitoramento desta importante política pública. Se muitos de nós já concordávamos, por conceito, com a audiência de custódia, é fundamental que tenhamos dados para trazer à discussão e verificamos como anda a implementação desta política. É com base nos dados que podemos discutir como está e como aprimorar a audiência de custódia – afirmou o defensor público-geral na apresentação da pesquisa.

Precursor do projeto audiência de custódia no ano passado, quando presidia o Conselho Nacional de Justiça, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que participou da apresentação do relatório da Defensoria, afirmou que, em todo o país, pelo menos 60 mil presos foram libertados nas audiências de custódia.

O ministro lembrou que o Brasil ocupa atualmente a 4ª posição no ranking dos países que mais encarceram, com mais de 600 mil detidos, segundo estimativas recentes. Desse universo, pelo menos 240 mil – ou 40% - são presos provisórios. Para Lewandowski, a audiência de custódia “é um avanço civilizatório”, pois tem evitado que pessoas presas cometendo algum delito permaneçam presas, em muitos casos por tempo superior à pena prevista para o ato praticado. 

Lewandowski afirmou que a audiência de custódia foi implantada nas capitais por todos os tribunais dos 26 estados e do Distrito Federal. A meta a partir de agora é levar a iniciativa para o interior das unidades da federação. De acordo com ele, alguns estados já estão começando a implantar a iniciativa nas comarcas das suas regiões metropolitanas.   

– Somos a quarta a população prisional no mundo, logo após os Estados Unidos, Rússia e China. Cerca de 40% dos nossos presos são provisórios, são quase 240 mil aguardando meses ou até anos para encontrar o juiz. A audiência de custódia que hoje está implantada nas 27 unidades da federação é uma experiência bem-sucedida. É uma política pública voltada para o sistema penitenciário, que funciona tanto na Justiça estadual como federal e que está em processo de interiorização. A meu ver é um avanço civilizatório muito importante – afirmou.

O defensor público Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da Defensoria, destacou que a audiência de custódia evita a cooptação, pelas organizações criminosas, de pessoas que não deveriam estar presas em razão das acusações que possuem. 

– As pessoas precisam compreender que quando alguém é preso, essa pessoa vai entrar em uma unidade prisional dominada por uma organização criminosa. Uma família diligente pode levar 30 dias para obter uma carteirinha para visitar o familiar. Durante esse espaço de tempo, ele não vai receber uniforme, material de higiene, um colchonete, nada. Quem vai ser solidário a ele? Exatamente quem domina a unidade prisional. Isso simplesmente fomenta as organizações criminosas – afirmou o defensor. 

Carolina Haber, diretora de estudos e pesquisas de acesso à Justiça da DPRJ e coordenadora da pesquisa, destacou que a audiência de custódia também tem ajudado a evitar a perpetuação de um sistema carcerário discriminatório. Segundo o relatório, 73,63% dos custodiados são pretos e pardos; enquanto 25,95% são brancos. A proporção de liberdades provisórias concedidas no primeiro ano das audiências para o primeiro grupo e o segundo grupo foi, respectivamente, de 31,85% e 37,95%.

– A pesquisa mostra que o perfil do preso ainda é o do preto/pardo e de baixa escolaridade, refletindo o que o sistema carcerário já tem mostrado pra gente – destacou. 

Homenagem

A apresentação do relatório de um ano da audiência de custódia terminou com a entrega de uma placa em ao ministro Ricardo Lewandowski em reconhecimento à iniciativa que levou os tribunais brasileiros a adotarem o procedimento. A homenagem foi entregue por Daniel Nascimento. Ele foi o primeiro a passar pela audiência de custódia no Rio. Defendido pela DPRJ, ele foi solto após o juiz constatar que a prisão não se fazia necessária. 

– Eu me lembro do Daniel. Sei que estava empregado na época e que ele havia estudado só até a oitava série. Isso prova a importância da audiência de custódia. Hoje ele é um homem de bem. Isso é a prova viva desse esforço para a recuperação – disse o ministro, abraçado ao rapaz. 

O documento foi apresentado no seminário A Defensoria Pública e a Audiência de Custódia. O evento foi realizado na última quinta e sexta-feira (20 e 21) e contou com a participação de defensores de todo o país, que avaliaram os avanços proporcionados pelo procedimento.  



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