Em um ano, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro representou 5.302 presos em flagrante nas audiências de custódia – procedimento que consiste na apresentação do custodiado ao juiz, em um prazo máximo de 24 horas, para que avalie os requisitos legais para a manutenção da prisão. Desse total, apenas 2,8% voltaram a ser apreendidos cometendo novo delito. Em média, a medida evitou o ingresso de duas pessoas por dia no sistema carcerário fluminense, que sofre com a superlotação.
É o que revela um relatório inédito sobre os casos que a DPRJ defendeu no primeiro ano da audiência de custódia no Rio, divulgado na tarde desta sexta-feira (21), no segundo dia do seminário A Defensoria Pública e a Audiência de Custódia, que a instituição promoveu em sua sede (Avenida Marechal Câmara, 314).
O documento foi divulgado pelo defensor público-geral do Estado, André Castro; o coordenador de Defesa Criminal, Emanuel Queiroz; e a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria, Carolina Haber, que coordenou a pesquisa. Também participou da apresentação do documento o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que capitaneou a implantação do procedimento nos tribunais do país, no ano passado, quando presidia o Conselho Nacional de Justiça; e Maria Tereza Donatti, juíza auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
As audiências de custódia começaram a ser realizadas no Rio de Janeiro no dia 18 de setembro do ano passado. O relatório elaborado pela Defensoria faz uma análise dos casos defendidos pela instituição até a mesma data deste ano. O estudo traz dados detalhados sobre o perfil social dos custodiados – o que inclui raça, gênero e grau de escolaridade – assim como os crimes que mais levaram à prisão em flagrante.
Do total de presos em flagrante assistidos pela Defensoria na audiência, 1.710 tiveram a liberdade provisória decretada após a apresentação ao juiz. Outras 82 tiveram a prisão relaxada. O índice de soltura neste primeiro ano do procedimento foi de 33,8%.
Do total de pessoas representadas pela DPRJ – tanto as que foram liberadas na audiência de custódia como no decorrer do processo penal – apenas 142 voltaram a ser presas em flagrante e, por isso, submetidas novamente ao procedimento. O índice de reincidência neste primeiro ano da iniciativa foi de apenas 2,8%.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou no evento que a audiência de custódia é uma política pública e um instrumento de pacificação social, que ajuda a combater a superlotação do presídio ao evitar a prisão de pessoas que têm chance de se ressocializar.
– Em sua maioria são presos que não apresentam periculosidade, têm residência fixa e emprego lícito. São pessoas plenamente recuperáveis para a sociedade, que eventualmente devem ter cometido um crime menor e sem violência, mas que podem voltar ao convívio de seus semelhantes. Isso é muito importante, pois temos um sistema prisional totalmente congestionado. Os números são impressionantes. Tínhamos, segundo o último levantamento, 600 mil presos no Brasil. Somos a quarta população carcerária do mundo. E cerca de 40% dos nossos presos são provisórios. A audiência de custódia, que está implantada nas 27 unidades da federação, é uma política bem sucedida. É uma política pública. A meu ver é um avanço civilizatório – afirmou o ministro.
André Castro destacou a importância da pesquisa que constatou que a audiência de custódia diminuiu o número de prisões sem, contudo, aumentar a reincidência. Segundo o defensor público-geral, a audiência de custódia desafogou o sistema carcerário ao evitar prisões desnecessárias e permitiu o Brasil efetivar a Declaração Americana de Direitos Humanos e o Tratado de Combate à Tortura.
– Nada melhor do que passado um ano desta experiência, termos mecanismos de monitoramento desta importante política pública. Se muitos de nós já concordávamos, por conceito, com a audiência de custódia, é fundamental que tenhamos dados para trazer à discussão e verificamos como anda a implementação dessa política. É com base nos dados que podemos discutir como está e como aprimorar a audiência de custódia – afirmou o defensor público-geral.
Para o defensor Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da Defensoria, “o número de reiteração criminosa prova que o instituto da audiência de custódia em momento algum comprometeu a segurança pública ou estimulou a prática de crimes”. Na avaliação do defensor, isso demonstra a sucesso da iniciativa, que deve ser estendida a todo o estado do Rio de Janeiro.
Pesquisa traz dados sobre agressão policial
De acordo com o relatório divulgado pela Defensoria sobre o primeiro ano da audiência de custódia, 1.573 assistidos pela Defensoria disseram ter sofrido agressão no momento da prisão em flagrante. Isso corresponde a 34% do total de presos defendidos pela instituição no primeiro ano da audiência de custódia. Segundo 853 presos, a violência foi praticada por policial militar.
Ainda segundo o estudo, 4,37% dos custodiados informaram terem sido vítimas de tortura. Já outros 2.239 (ou 65,41% do total) afirmaram ter tido o rosto fotografado pela Polícia por ocasião da prisão, apesar da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, tomada após a análise de um pedido da Defensoria, que proíbe a veiculação de imagens dos presos em flagrante.
Estudo mostra perfil social dos presos
Sobre o perfil dos custodiados, 73,63% são pretos e pardos; enquanto 25,95% são brancos. Segundo o relatório, a proporção de liberdades provisórias concedidas no primeiro ano das audiências para o primeiro grupo e o segundo grupo foi, respectivamente, de 31,85% e 37,95%.
Ainda segundo o relatório, a maior parte dos réus (83,58%) tem entre 18 e 36 anos de idade e escolaridade até o ensino fundamental (68,17%). Dentre os 3.526 réus que responderam trabalhar antes de ter sido preso, 418 disseram poder comprovar o vínculo com carteira de trabalho assinada.
Dos 5.302 presos representados pela Defensoria, 378 (ou 7,13%) são mulheres. Desse total, 252 (68,11%) foram liberadas após a audiência de custódia. A maioria foi presa por crimes contra o patrimônio envolvendo furto (229 casos). O segundo crime mais cometido são os relacionados na Lei de Drogas (73 casos).
Do total de presas, 284 declararam ter filhos. Outras 49% estavam grávidas no momento da prisão – sendo que desse total, 27 foram liberadas após serem apresentadas ao juiz. A maioria das mulheres apreendidas em flagrante é preta e parda (209) e tem apenas o ensino fundamental (219).
Roubo foi o crimes mais cometido
Segundo a pesquisa, os três crimes que mais levaram à prisão foram roubo (1.467 casos), furto (1.227 casos) e outros previstos na Lei 11.343/2006 – a Lei de Drogas (693 casos). O índice de liberdades concedidas para essas práticas foram, respectivamente, de 7,31%, 67%, 41,67%.
Já entre as 142 pessoas presas em flagrante por um novo crime, 80 haviam sido detidas na primeira vez pela prática de furto. Outras 24, por roubo. Sete haviam sido presas pelo crime de receptação, e 26 por crimes previstos na Lei de Drogas. Dois casos foram por porte ilegal de armas. Outros duas prisões foram pela venda de produtos nocivos à saúde (art. 278 do Código Penal); e uma, pelo uso de identidade falta. Em outro caso não foi possível identificar o crime cometido.
A audiência de custódia
A Audiência de Custódia tem previsão no artigo 7º da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. O Brasil ratificou a norma em 1992, contudo somente no ano passado os tribunais do país adotaram o procedimento após o Conselho Nacional de Justiça estimular a prática.
Desde que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro implementou a Central de Audiência de Custódia, os defensores públicos acompanham diariamente as audiências, onde preenchem um questionário de atendimento ao preso. A partir desses questionários, foi possível apresentar o perfil dos réus atendidos pela Defensoria Pública do Rio, assim como indicar o resultado da análise da prisão feita pelo juiz. O relatório da Defensoria é o primeiro do tipo produzido no país.
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