NOTA EM DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA
“Não pedimos para ter doenças graves, mas o tratamento é nosso direito”
A Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP) e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) vêm a público externar preocupação com o julgamento de dois recursos que se encontram na pauta do Supremo Tribunal Federal, que tratam sobre o fornecimento de medicamento de alto custo pelo Sistema Único de Saúde. Neles, os Estados do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais defendem, em síntese, que o Estado não deve ser obrigado a fornecer medicamento de alto custo ou que se encontrem sem registro junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Falta coerência ao discurso estatal que brada por limitações orçamentárias, mas gesta o dinheiro público como se os recursos não fossem finitos, ante o latente desperdício advindo da má gestão. Nesse rumo os exemplos são fartos: publicados pela imprensa em geral, pelos órgãos do Estado, como, por exemplo, o Conselho Nacional de Saúde, a Controladoria Geral da União e o Tribunal de Contas da União. Essa opção governamental ressoa na maioria dos Estados-membros e municípios, onde exemplos similares se multiplicam.
Ainda no âmbito da má gestão, observa-se o custo dos medicamentos no Brasil que é um dos maiores do mundo. Estudo do Tribunal de Contas da União, apresentado pelo Senador Paulo Davim (PV-RN), em 2013, revelou que 43 dos 50 principais ativos medicamentosos à venda no país têm preços acima da média mundial, sendo que, dentre estes, 23 são os mais caros do mundo. Tal circunstância também deriva da ineficiência e do desinteresse do Estado na adoção de estratégias para a redução dos preços dos medicamentos.
Por outro viés, o Estado gasta pouco com a saúde pública. Recente estudo da Organização Mundial de Saúde aponta que no Brasil o investimento público em saúde é menor do que no setor privado. A pesquisa traz os dados de 2012 e revela que do total aplicado em saúde (entre recursos públicos e privados), 47.5% foram aportados pela administração pública para suprir as necessidades de 190 milhões de brasileiros, enquanto os investimentos da iniciativa privada representam 52.5% do total, para beneficiar a minoria de 46 milhões de brasileiros conveniados.
A mesma pesquisa apontou que, enquanto o Brasil investe 7.9% de seu orçamento em saúde pública, países da América do Sul como o Uruguai, Argentina e Chile investem 19.3%, 22.5% e 14.9%, respectivamente, dos seus orçamentos, alcançando média de 18.9% que é maior que o dobro do investimento brasileiro no setor. Ou seja, onde o Estado vê reserva do possível se revela, na verdade, o mínimo existencial e o dever de não retrocesso das políticas públicas. Trata-se de núcleo essencial que não pode ser objeto de restrição casuística (oscilação orçamentária).
O Judiciário tem desenvolvido papel relevante na garantia de acesso à saúde há décadas, tendo, entre as decisões mais relevantes, a determinação endereçada ao Estado para entrega gratuita de medicamentos de combate ao HIV, na década de 1990. Desde então, inúmeras vezes, o Judiciário determinou a entrega de medicamentos ainda não inseridos nas listas oficiais do Estado, de custo elevado ou sem registro na ANVISA, mas que, no caso concreto, se apresentavam justificadamente como única alternativa para o paciente. Essa postura conduz, na prática, a uma incorporação muita mais célere dos medicamentos ao SUS, recentemente o Ministro da Saúde proferiu palestra onde informou que dos 20 medicamentos mais demandados por ação judicial, 12 já foram incorporados ao SUS. Essa informação é uma das maiores provas da importância da judicialização, não só para a proteção do direito individual, mas pelo efeito que produz nas políticas públicas. Não se requer tudo para todos, mas a assistência para quem possuí apenas uma alternativa de tratamento viável e clinicamente justificável. Nesse aspecto, as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal se apresentam como forte instrumento de acesso à saúde, primando sempre pela judicialização responsável.
O aprofundamento do subfinanciamento conduz ao retrocesso social que castiga de forma mais intensa as parcelas carentes da sociedade. Assim, a ANADEP e a DPRJ rogam aos Ministros do STF que não permitam leitura enviesada do direito fundamental de acesso à saúde, em favor de uma higidez administrativa que se quer fazer após anos de má gestão das finanças públicas e subfinanciamento. A aparente colisão de direitos – direito à saúde versus orçamento público equilibrado – tem recebido solução rasa e turva do executivo, pendendo favoravelmente a uma leitura demasiadamente discricionária dos gastos públicos e de negação dos interesses fundamentais, em flagrante retrocesso no acesso a direitos.
A ANADEP e a DPRJ clamam pela ampliação do debate, ante a incidência de repercussão geral na decisão que advir do STF, com promoção de audiências públicas para a oitiva de atores sociais dos mais diversos matizes, para, por fim, termos um debate devidamente maturado, sob pena de se COMPROMETER AS GARANTIAS DA INTEGRALIDADE E UNIVERSALIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE, em afronta direta ao direito fundamental à saúde e à dignidade do cidadão brasileiro.
Setembro de 2016
Comissão Especial de Saúde da ANADEP
Administração Superior da DPRJ
Núcleo de Saúde e Tutela Coletiva da DPRJ