– Fui vítima de agressão pelo Centro Presente. Sou vítima de preconceito toda hora por eles [agentes]. Eles não podem me ver andando na rua, que me chamam. Toda hora querem me sarquear [verificar antecedentes criminais]. Eu não devo nada para a Justiça, graças a Deus. Não aguento mais ser agredido!
O desabafo é do jovem Leonardo Pereira, que atualmente vive nas ruas. Ele e outras pessoas que se encontram na mesma condição falaram na segunda audiência pública promovida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, no último dia 3, para discutir a violação de direitos dessa população.
Com a proximidade das Olimpíadas, a DPRJ registrou um aumento de 60% nas denúncias relativas a constrangimentos e agressões nas abordagens feitas às pessoas em situação de rua. Segundo a defensora pública Carla Beatriz, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria, o objetivo da audiência foi coletar depoimentos que possam subsidiar a adoção de medidas a fim de coibir os abusos.
Além dos relatos, também comporão o conjunto de provas reunidas pela Defensoria as informações coletadas pela Ronda de Direitos Humanos. Composto por representantes da DPRJ e órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública da União, o grupo percorre as ruas de bairros do Centro e da Zona Sul, ouvindo quem está morando na rua sobre as abordagens.
Os relatos indicam truculência. Segundo as denúncias, os agentes tomam a força documentos, pertences pessoais e até o papelão utilizado para dormir. Carla Beatriz conta que os constrangimentos se intensificaram com a proximidade dos Jogos Olímpicos, justamente com intenção de forçar a população a sair de algumas áreas, dando cumprimento a uma política que considera higienista.
– As provas são contundentes de que há violação por parte da Guarda Municipal, da SEOP [Secretaria de Ordem Pública] e da Polícia Militar. Agentes públicos que são pagos para resguardar nossa integridade física e psicológica, mas espancam e agem de forma truculenta contra uma população totalmente inocente e indefesa – afirmou a defensora.
Os relatos feitos na audiência confirmam os abusos:
– Na rua a gente vê de tudo. E o que a gente mais vê é o desrespeito e a covardia que eles faz [sic] com o morador de rua. Quer agredir, quer xingar. Acha que é ladrão, que é vagabundo. Mas meus irmãos: ninguém aqui nasceu na rua. Todos nós temos famílias, somos brasileiros. Temos os mesmos direitos – afirmou o ex-morador de rua Marco de Souza, durante a audiência pública.
– Estava em frente a Casa França [Brasil, no Centro] e vieram três motoqueiros [do Centro Presente] e abordou um por um. Eles me perguntaram se eu fazia uso de entorpecentes. Eu disse não e ele perguntou “se eu achar?”. Eles queriam que eu, forçadamente, falasse que era usuário de drogas. No final ele perguntou “você mora aonde?”. Eu respondi “estou desempregado e moro nas ruas”. Ele disse “você mora na rua e não usa droga?”. Quem falou que todo morador de rua é usuário de droga? – relatou Jorge Luiz, criticando o estigma imposto a quem não tem um teto.
Estigma e preconceito, aliás, não faltam. Genilson da Rocha, que atualmente mora nas ruas, contou que por diversas vezes passou despercebido nas abordagens. O motivo: ele é branco.
– Há discriminação na rua, perante as abordagens. Eu sou branco. Pode ver a estatística aí: não há nem 10% de pessoas brancas [que estão em situação de rua]. Eu vi dois amigos meus negros sendo maltratados, e eu passei desapercebido [sic]. Um falou que mandou ele [os amigos] àquele lugar e que iria dar tapa na cara. O outro [agente] me abordou, nem olhou a minha bolsa. É o preconceito – destacou.
A audiência pública foi realizada em conjunto com o Fórum Permanente de Pessoas em Situação de Rua, o Projeto Ruas e a Defensoria Pública da União.
Foram convidados também a Secretaria Estadual de Assistência Social, a Prefeitura do Rio, a SEOP, a Guarda Municipal e a Polícia Militar. Contudo, os responsáveis por esses órgãos não enviaram representantes, nem informaram porque não participariam do evento.