A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro recebeu na tarde de terça (9) a mãe e o padrasto do jovem Ryan Pereira Bento, de 15 anos, que morreu após um incêndio na unidade do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) em que estava internado há três meses. Na reunião realizada na sede da instituição, a coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica), Eufrásia Maria Souza das Virgens, reafirmou o compromisso da Defensoria em esclarecer as reais circunstâncias do fato ocorrido no dia da abertura das Olimpíadas, na sexta (5), e que deixou outros oito jovens feridos.
Na versão deles, o incêndio ocorrido nas dependências da Escola João Luiz Alves, na Ilha do Governador, teria começado com a montagem de uma "gambiarra" para que pudessem assistir à abertura das Olimpíadas pela televisão. Em estado grave e com muitas queimaduras no corpo, Ryan foi levado com vida para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no dia seguinte, no sábado (6). Os feridos permanecem internados nessa unidade, no Hospital Federal do Andaraí, na Zona Norte do Rio, e no Hospital Municipal Pedro II, na Zona Oeste.
A Defensoria Pública já está negociando o direito à reparação à família diretamente com o Estado, que demonstra estar aberto ao diálogo.
- Também já solicitamos cópia do registro de ocorrência à 37ª DP e informações ao Comando Geral do Corpo de Bombeiros sobre eventual chamado no dia do incêndio. Foi pedido cópia do livro de ocorrência da unidade e, na Vara da Infância e da Juventude, solicitamos a retirada de algemas dos adolescentes que permanecem hospitalizados, bem como a suspensão da medida de internação, considerando a questão da saúde e a superlotação das unidades do sistema socioeducativo, dentre outras violações de direitos - destacou Eufrásia Maria Souza das Virgens.
Muito abalados, os familiares contaram que passavam pela revista vexatória na Escola João Luiz Alves, apesar da proibição da prática. E mais: disseram que o jovem ficava o dia inteiro preso e sem atividades educativas ou voltadas à reinserção na sociedade, ressaltando que ele enfrentou a superlotação da unidade e dividiu um espaço pequeno com 12 adolescentes e, por isso, dormia no chão porque não havia cama suficiente. Cama era "privilégio" dos antigos.
- Meu filho era lindo. Quando entrei no hospital e o vi, não acreditei: estava muito queimado, muito mesmo. Deformado! Passei mal e desmaiei. Estou aqui à base de remédios: eu morri por dentro - emocionou-se a mãe, Marcia Roberta Pereira.
O padrasto, Maicon Campos Felipe, pediu Justiça:
- Estamos em busca de repostas para o que aconteceu com Ryan, que estava em um sistema precário e superlotado. O Degase recebeu o nosso filho vivo e nos entregou ele morto e com um atestado de óbito - lamentou o padrasto.
Fracasso do sistema
Segundo a coordenadora da Cdedica, em dois anos, esse é o segundo caso de morte de adolescente internado pela Comarca de Petrópolis. Contra a decisão judicial que aplicou medida de internação foi interposto recurso pelo defensor público da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Petrópolis, Rômulo Souza de Araújo, que ainda não havia sido remetido ao Tribunal de Justiça para julgamento.
- A Defensoria Pública ingressou com várias ações civis públicas em relação à superlotação das unidades do Degase e à falta de estrutura, pedindo a aplicação do artigo que prevê o direito de os adolescentes cumprirem medida em meio aberto quando não há vagas para internação, desde que não respondam por ato com uso de violência ou grave ameaça contra a pessoa. O caso de Ryan é mais um exemplo de tragédia anunciada - observou Eufrásia.
E completou: "a Cdedica, junto com o Nudedh e com a colaboração das defensoras públicas Renata Tavares e Daniela Considera elaborou petição que foi protocolada em dezembro de 2015, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, informando sobre as violações de direitos no sistema socioeducativo do Estado. Junto com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, do qual a Defensoria Pública faz parte, foi criado, em janeiro de 2015, grupo de trabalho para discutir as questões do sistema socioeducativo, em especial as violações de direitos."
Apreendido no dia 21 de abril por alegado envolvimento com tráfico de drogas, Ryan foi julgado em 2 de junho, recebendo a medida de internação, que seria revista em outubro.