Pelo menos 7,5 mil agressões físicas contra crianças e adolescentes teriam deixado de acontecer em 2015, um ano após a edição da Lei Menino Bernardo (Lei 13.010). O número refere-se à queda de denúncias registradas pelo Disque 100, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e foram divulgados nesta quarta-feira (29), em uma roda de debates promovida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e a Rede “Não Bata, Eduque”, sobre o impacto da norma na redução da violência contra meninos e meninas.
A lei em vigor desde 26 de junho de 2014 estabelece o direito de crianças e adolescentes à educação e aos cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel e degradante. A redução dos casos que chegaram ao Disque 100 corresponde a uma redução de 3% aos mais de 90 mil casos registrados em 2014 e demonstra o avanço proporcionado pela Lei 13.010, que foi batizada de Lei Menino Bernardo. O nome faz referência ao caso Bernardo Boldrini, morto aos 11 anos, no Rio Grande do Sul, pela madrasta e o próprio pai, segundo denúncia do Ministério Público.
- Esperamos mais melhorias para a redução da violência e sabemos que isso não é tão fácil porque a lei, por si só, não garante a mudança de comportamento. A redução dos casos ainda não está tão visível e situações não só de violência física como também de abuso sexual são notificadas diariamente. Por isso mesmo é muito importante a prioridade da família, da sociedade e do estado em assegurar a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes e de fazer o que estamos fazendo aqui hoje, ou seja, conscientizando cada vez mais pessoas – destacou a coordenadora de Defesa da Criança e do Adolescente (Cdedica) da DPRJ, Eufrásia Maria Souza das Virgens (foto).
Dados do Disque 100 revelam que, diariamente, são registrados 129 casos de violência física e psicológica no país contra crianças e adolescentes, incluindo os de negligência. A média são cinco episódios desses a cada hora. Já no estado do Rio, o Dossiê Criança alerta para o índice de que 70% dos casos relacionados à dignidade sexual são cometidos contra meninos e meninas; 30,8% referem-se à lesão corporal e 9,1% são de crimes contra a vida.
- Há pessoas dizendo que a lei foi criada para punir pais e responsáveis, mas isso não é verdade. A lei determina medidas de prevenção e também de encaminhamento das famílias a programas de apoio ou de acompanhamento psicológico, por exemplo. Atitudes violentas serão tratadas na esfera criminal com a legislação própria da matéria. O caso do menino Bernardo é um alerta para que a gente respeite a criança, ouça e considere a sua opinião. Precisamos entendê-la como uma pessoa em desenvolvimento – lembrou a coordenadora da Cdedica.
Em sua conversa com os presentes na roda, Eufrásia observou que a lei vale para todos os educadores, seja no ambiente familiar, da escola ou até nas unidades de internação socioeducativa. Ela lembrou também o caso do menino carioca de 8 anos que morreu após o pai aplicar a ele um castigo por suspeitar que o filho era homossexual.
Certos castigos e humilhações são tão graves que pesquisas demonstram a extensão do dano por quem as sofre, destacou a pediatra Rachel Niskier, do Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
- Acabou de ser publicada uma pesquisa com mais de 160 mil crianças e adolescentes, realizada durante 50 anos, em que ficou devidamente comprovado que a grande maioria das vítimas ficam propensas a desenvolver comportamento desafiador com os pais, problemas de saúde mental, tendência à criminalidade e males como depressão e até suicídio. É normal que o ser humano perca a paciência com meninos e meninas, mas não é normal bater para descarregar uma raiva neles – alertou.
A roda de conversa de iniciativa da Rede “Não Bata, Eduque” foi realizada em parceira com a Cdedica e com a Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio (Fesudeperj), que também recebe exposição itinerante sobre a importância da cultura de educar sem bater.
- Lutamos muito pela implementação da Lei Menino Bernardo e acreditamos que ela tem a mesma função da Lei Maria da Penha na questão do combate à violência. Quanto mais discutimos a agressão a crianças e adolescentes, mais pessoas tomam ciência da lei e mais propostas de políticas públicas são feitas para a mudança nessa dinâmica da sociedade. Acreditamos que o debate pode contribuir para a redução dos casos – afirmou a coordenadora da organização, Márcia Oliveira.
A roda de conversa também contou com a apresentação da jovem Débora da Cruz da Silva, integrante do programa Rap da Saúde, da secretaria municipal de Saúde, e do jovem Igor dos Santos, bolsista da Fundação Xuxa Meneghel. Os dois participam de ação itinerante que leva o diálogo sobre a questão a pessoas de diversas idades.
- Com o debate, as pessoas podem observar que tudo começa com uma palmadinha, aparentemente inocente, e acaba em agressividade – comentou Débora.
O desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, também esteve presente no evento.
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Texto: Bruno Cunha
Fotos: Erick Magalhães