Em busca de inspiração para projetos transformadores a serem implantados no Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do Estado tem estreitado laços com órgãos do sistema de justiça de todo o país. Nas últimas quinta e sexta-feira (23 e 24), defensores públicos conheceram de perto o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI). Desenvolvido há 10 anos, em Goiás, o projeto oferece tratamento digno e humano a pessoas que, por serem consideradas inimputáveis, foram absolvidas dos crimes que cometeram, mas ainda assim têm que cumprir medida de segurança.
No Rio, cerca de 160 homens e mulheres cumprem medida de segurança de internação no Hospital Penitenciário Henrique Roxo, em Niterói, e no Hospital Psiquiátrico Penal Roberto Medeiros, em Bangu, explicou a defensora Patricia Magno, do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen) da Defensoria. Na avaliação dela, essas pessoas poderiam ser beneficiadas por um sistema humanizado, nos moldes do PAILI.
- Goiás está a anos-luz à frente do Rio de Janeiro. Fiquei surpresa com a sintonia entre os atores envolvidos no programa, todos comprometidos para que as medidas de segurança sejam aplicadas segundo a lógica da saúde. Todos os réus que hoje vivem em manicômios judiciários estão em situação de tortura, sem necessidade médica de permanecerem internados. É um tratamento desumano e degradante que precisa ser enfrentado pela Defensoria Pública – destacou.
Para o defensor Marlon Barcellos, coordenador do Nuspen, mesmo com a crise que atinge o Estado, o desenvolvimento de programa semelhante é viável, pois quase todos os custos ficam a cargo das prefeituras.
- No atual modelo, que perdura nos demais estados, inclusive no Rio, uma vez considerado portador de transtorno psíquico, o réu inimputável permanece de um a três anos internado, como prevê o Código de Processo Penal – explicou o defensor.
Na avaliação do coordenador do Nuspen, a iniciativa é importante porque atende uma questão de saúde pública.
- O caso passa a ser uma questão de saúde e não de segurança. Sai do âmbito judicial e passa para a seara médica. É uma experiência única em todo o Brasil. Nosso papel foi observar como o PAILI funciona concretamente, para que possamos pensar que estratégia adotar para trazer essa prática para o Estado do Rio de Janeiro – ressaltou.
Assistência garantida
O programa, que venceu o Prêmio Innovare 2009, na categoria Ministério Público, tem como fundamento a Lei Antimanicomial nº 10.216/2001. O objetivo da iniciativa é garantir que os inimputáveis recebam assistência médica ambulatorial, ao invés de serem privados de liberdade em manicômios judiciários – locais com condições asilares e, portanto, proibidos pela legislação.
Atualmente, o PAILI atende atualmente 357 pacientes, em 77 municípios de Goiás. Resultado de um convênio entre o Tribunal de Justiça de Goiás, o Ministério Público daquele Estado, a Secretaria Estadual de Justiça e as secretarias estadual e municipais de Saúde, o PAILI assume responsabilidade pelo inimputável logo após a audiência de julgamento. Reintegrada à família sempre que possível, a pessoa passa a ser atendida pela Rede de Assistência Psicossocial em sua cidade de origem, até receber alta médica.
Além de Patrícia e Barcellos, também participaram da visita a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Thaisa Guerreiro, e a diretora de Pesquisa e Acesso à Justiça, Carolina Haber. Defensores Públicos de São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Goiás também integraram o grupo.
A Comissão de Garantia de Atenção Integral à Saúde de Pessoas Privadas de Liberdade da Defensoria Pública do Rio já mantém contato com as secretarias do estado e dos municípios, assim como com o Mecanismo Estadual de Combate e Prevenção à Tortura, da Assembleia Legislativa, para articular a implantação de um projeto similar no Estado. A ideia é alcançar não só inimputáveis, mas também, ao longo do processo penal, as pessoas em conflito com a lei por conta de transtornos mentais ou uso de álcool e outras drogas.
- O PAILI acompanha em detalhes a política antimanicomial prevista em lei, que preconiza a internação apenas como última medida, e por curto período, em caso de surto. E quem avalia e decide isso, no programa, são os médicos e profissionais com formação psicossocial – afirmou a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, Thaísa Guerreiro.
Texto: Valéria Rodrigues.
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