André Castro: Jovens e moradores de comunidades são os mais atingidos pela violência

 

Uma guerra sem vencedores e vítimas de todos os lados. Esta pode ser a definição para a situação da segurança pública no Rio de Janeiro, debatida em audiência pública promovida pela Defensoria na quinta-feira (23) e com a participação de todos os atores escalados neste triste enredo que ainda parece longe do fim. Representantes da sociedade civil, das comunidades, das polícias e autoridades diversas tiveram a oportunidade de relatar seus dramas cotidianos e apresentar caminhos para a solução do problema.

Organizada pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria, em parceria com as organizações Justiça Global, Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro, Fórum Social de Manguinhos e Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, a audiência foi pautada por cinco eixos: política de drogas; superlotação dos presídios, políticas para juventude, controle do uso da força por parte da polícia e responsabilidade na prestação de contas à sociedade em relação a investigações e operações.

A necessidade de uma revisão urgente na política de drogas, adotada pelo país há mais de duas décadas, foi sustentada pelo defensor público-geral, André Castro. “Impossível não debater este tema aqui”, disse. “É muito importante tratar não só do problema de como proteger as pessoas da guerra em que vivemos no Rio - e que leva a muitas baixas - mas, sobretudo, de como acabar com ela. Uma realidade que tem ceifado a vida de milhares de brasileiros e, principalmente, de jovens e moradores de comunidades.” 

Pesquisadora da área de violência institucional da Justiça Global, Monique Cruz, moradora de Manguinhos, destacou a interferência da desigualdade na política de segurança pública do Rio e disse que as mulheres negras e seus filhos passam por um processo de criminalização cotidiana, agravado por ações policialescas.

– O Estado brasileiro não dá conta das gravíssimas violações de direitos humanos. A guerra às drogas vem significando uma grande perda para o estado do Rio de Janeiro. O Estado é o maior violador de direitos humanos no Brasil, e no Rio de Janeiro esse Estado está sendo empregado em grande medida pela Polícia e agora também pelas Forças Armadas –, criticou.

Polícia esta que também vive a difícil missão de contabilizar baixas cada vez mais frequentes, o que só ratifica a urgência de novos rumos. Coordenador das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o coronel André Silva reconheceu que o projeto “perdeu um pouco de sua essência” e disse que os policiais vivem sob forte estresse e se sentem vitimizados. As UPPs são alvos constantes de ataques. Em 2016, são oito policiais mortos em serviço, mas fora dele o número é muito maior. 

– Nós não queremos mortes de civis, de militares e de ninguém. Essa não é a nossa política. O policial não usa a arma à toa. Quando usa é porque está no meio de um confronto – justificou o coronel, no mesmo dia em que lamentava a perda de mais um dos seus homens, o sargento Ericson Gonçalves Rosário, de 34 anos, morto em confronto com  traficantes na comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte. 

– Há uma tentativa de fazer uma polícia diferente, orientada para a mediação de conflitos e para estar próximo da comunidade. Mas o projeto cresceu muito e perdeu um pouco da essência, isso é natural. Existe também um crescimento muito grande do narcotráfico. As polícias hoje vivem momentos de adequação de novas atitudes com relação ao uso da força –, analisou.

Um dos organizadores da audiência, o defensor público Daniel Lozoya ressaltou que as UPPs estão no seu pior momento justamente quando deveriam se destacar, por causa dos Jogos Olímpicos Rio 2016, quando a cidade atrairá atenção internacional. 

– Segundo estatísticas do Instituto de Segurança Pública, de janeiro a abril de 2016 foram 1.715 mortes, aumento de 15% na comparação com o ano passado. O número de policiais mortos em serviço foi oito, mas o número de policiais mortos fora de serviço é muito maior. A polícia do Rio é a que mais mata e a que mais morre, não por acaso. O número de mortes em decorrência de intervenção policial soma de janeiro a abril 238 casos, também houve aumento. Então, como salvar a UPP? –, questionou.

Sub-coordenador do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público do estado (Gaesp), Paulo Roberto Cunha Junior disse que o tema é um “problema político” e que nem sempre as medidas para conter a violência são aplicadas com isonomia. Segundo ele, “no Brasil, se prende muito e se prende mal”.

O promotor citou um caso em que um policial que executou um jovem negro em uma favela foi posto em liberdade após sete meses de prisão o que, segundo ele, não ocorreria se fosse o contrário (jovem tivesse matado o policial).

– O jovem desarmado com maconha na cueca é tratado como um criminoso de alta periculosidade e um policial que executou adolescente pode responder em liberdade. A política que faz com que a vida do morador de comunidade seja um dano colateral é a mesma política que mostra o policial como uma peça de reposição –, criticou.

O Gaesp, segundo o promotor, foi criado justamente após atuação do Ministério Público para fiscalizar os chamados autos de resistência em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Com o trabalho auxiliar às polícias Militar e Civil, houve diminuição de 70% nos autos de resistência entre 2008 e 2010, segundo o promotor, até o trabalho ser interrompido após o assassinato da juíza Patrícia Accioli.

O resultado de todo esse descompasso pode ser resumido no depoimento da mãe de uma das vítimas da chacina de Costa Barros, ocorrida em novembro do ano passado, quando cinco jovens foram fuzilados em uma abordagem policial. A perícia contou 111 tiros disparados contra o veículo em que os rapazes estavam, após voltarem da comemoração pelo primeiro salário recebido por um deles. A perícia também constatou adulteração da cena do crime, para forjar resistência. Na semana passada, o caso voltou à pauta por um habeas corpus concedido pelo STJ aos PMs.

– Vai fazer sete meses que meu filho foi fuzilado e, para quem não sabe, estou morando na associação de moradores.  Com 16 dias do meu filho morto, minha casa desabou e sabe o que fizeram comigo? Nada! Me prometeram Aluguel Social e apenas me jogaram na associação de moradores. Não como mais, não durmo. Eu acreditava na Justiça e justamente ela acabou de me dar uma rasteira. Não faz nem um ano que o meu filho morreu e os PMs estão soltos.

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Texto: Bruno Cunha (Com informações da Agência Brasil)
Fotos: Erick Magalhães



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