A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro vai atuar junto aos órgãos públicos e entes federativos envolvidos na proteção dos direitos da criança e do adolescente para articular medidas protetivas a meninos e meninas refugiados no estado. O compromisso divulgado em carta pública assinada em conjunto com outras instituições foi assumido no seminário "Como Proteger Crianças e Adolescentes Refugiados", realizado pela DPRJ na última quarta-feira (22).
O documento lista ações voltadas à solução dos problemas enfrentados para a regularização da situação de crianças e adolescentes que cada vez mais chegam desacompanhados ao país e ao estado do Rio, onde houve aumento de 50% no número de refugiados na faixa etária de zero a 18 anos em 2015, se comparado com o registro do ano anterior. O dado do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) compõe a carta pública juntamente com a informação de que 13% do total de refugiados e de solicitantes de refúgio no estado correspondem a essas idades.
- Cada vez mais o mundo se abre para a mobilidade do capital e se fecha para a dos cidadãos. Estamos construindo uma rede de proteção cada vez maior, mas fato é que não podemos naturalizar a situação do refugiado nesse nível atual das ondas migratórias. Direito mesmo é a pessoa continuar morando onde nasceu e se assim ela quiser, mantendo todos os seus vínculos familiares, culturais e de identidade, e esse direito está sendo absolutamente desrespeitado em todo o mundo. Junto com isso, claro, temos que dar atenção, acolher e dar proteção a essas pessoas em situação de vulnerabilidade que tanto precisam e, para isso, é importantíssima a união de esforços - destacou na abertura do evento o defensor-geral do Estado, André Castro.
A carta pública também assinada pela Defensoria Pública da União, pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e pela Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro prevê, entre outras medidas a serem adotadas, o acesso à documentação básica que identifique crianças e adolescentes refugiados; o acesso à solicitação de refúgio mesmo para os desacompanhados ou sem comprovação de filiação e independentemente de ato judicial; e o acesso aos programas de transferência de renda e aos serviços de saúde, educação, assistência e outros.
- Hoje há uma dificuldade muito grande para conseguir o acesso de crianças desacompanhadas ao pedido de refúgio na Polícia Federal. Se não estiverem com os pais e comprovando isso com certidão de nascimento, identidade ou qualquer outro documento, o pedido de refúgio não é aceito e, com isso, a criança não pode ter acesso à saúde e à educação, por exemplo. Torna-se invisível no país. Por isso, o evento foi muito importante na medida em que reuniu várias instituições e pessoas que defendem a causa dos refugiados e que compartilharam experiências para que se avance em políticas públicas no Brasil - afirmou a subcoordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da DPRJ, Elisa Cruz.
Presente na mesa de debates, o representante da Acnur, Diego Nadir, chamou a atenção para o elevado número de pessoas com até 18 anos em situação de refúgio.
- As crianças representam 51% da população de refugiados no mundo, o que equivale a 11 milhões de pessoas. É a metade da população de São Paulo - alertou Diego.
Já para o representante da Cáritas, Fabricio Toledo, é com uma frequência cada vez maior que crianças e adolescentes têm chegado ao país nessas condições.
- Há um aumento no número de refugiados que chegam ao país desde 2010, mas, de 2012 em diante, o movimento se tornou bem mais significativo e nos últimos dois anos cresceu bastante. Precisamos encontrar uma solução para a falta de protocolo imediato para crianças não acompanhadas dos pais, ou seja, precisamos assegurar a elas acesso aos procedimentos de refúgio e também a uma rede de apoio institucional - declarou.
A representante da Polícia Federal, Patricia Dias Bevilaqua, também participou da mesa de debates.
- Há países que vivem a situação do refúgio há anos, mas ela é nova para nós e estamos caminhando. Cada órgão tem o seu trabalho e deve cumprir com a sua função e a Polícia Federal é o primeiro em que eles têm contato e onde são muito bem tratados. Tentamos resolver cada caso da melhor forma possível e todos nós estamos aprendendo com essa experiência - disse.
O seminário realizado pela Cdedica e pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública (Nudedh), em parceria com a DPU, com Cáritas e com a Acnur, também contou com a presença de Charlie, um africano que há oito anos vive no Brasil e sabe muito bem que as dificuldades vão além da regularização da situação no país. O preconceito é uma delas.
- Nós escolhemos viver e por isso deixamos o nosso país de origem para pedir refúgio. É difícil, principalmente para as crianças, aprender uma nova língua, conhecer outros amigos e passar por muito preconceito nas escolas. Eu, que já tenho oito anos no Brasil, tive problemas aqui na época da epidemia de Ebola na África. Todo africano ou todo o negro estrangeiro era assimilado a essa doença por várias instituições brasileiras - relatou.
Participaram da mesa de abertura do seminário a coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica) da DPRJ, Eufrásia Maria Souza das Virgens; o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), Fabio Amado; a defensora pública Andrea Sepúlveda; e o diretor executivo de Cáritas, Candido Feliciano Neto.Também estiveram presentes no evento a defensora pública Gislaine Kepe, que é uma das organizadoras.
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Texto: Bruno Cunha