Para a instituição, caso entra no princípio da bagatela, que determina a não punição de crimes irrelevantes 

Menos do que quatro reais: esse foi o valor ínfimo que a justiça de Campos dos Goytacazes entendeu ser suficiente para condenar uma pessoa. Preso por furtar um preservativo no valor de 3,49 reais de um mercado da região, Allan da Silva, de 41 anos, viu sua vida se tornar um pesadelo depois de ser oferecido a ele Acordo de Não Persecução Penal, no valor de 600 reais, 17.000% a mais do que o item furtado.

O caso chegou até a Defensoria do Rio em agosto de 2021, que peticionou o Ministério Público de Campos dos Goytacazes pedindo a absolvição sumária de Allan. A alegação usada pela Defensoria era de ser evidente a atipicidade do ocorrido, diante do princípio da bagatela, que determina a absolvição nos casos onde o bem jurídico não seja penalmente relevante, assim como não haja expressiva lesão ao bem jurídico também protegido pelo tipo penal. 

Além de ter que pagar um valor tão acima do item furtado, também foi proposto a Allan a realização de trabalho comunitário por quatro horas semanais durante oito meses, fato que o impediria de trabalhar e conseguir alguma renda. Para a defensora pública, Rafaela Enseñat, a história de Allan vai contra princípios do Direito Penal, que deveria voltar o seu olhar apenas para os bens de extrema relevância na sociedade. 

— Tutelar um suposto furto de um item que sequer custava 4 reais só evidencia o quanto a máquina pública se movimenta para continuar buscando a condenação dos "alvos certos" que são, geralmente, os mais vulneráveis em nossa sociedade. Não havia qualquer razoabilidade em propor que o investigado pagasse uma quantia de 600 reais, quando, na verdade, o seu feito deveria, desde o início, ter sido arquivado. — ressalta Rafaela.

Nesse sentido, a defensora reforça que este é um importante exemplo de que todos os dias, sobretudo na área criminal, direitos são violados, algo que não pode passar despercebido.

Casos como esse são comuns

A Defensoria Pública do Rio vem recebendo diversos casos nos quais se discute a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela. Não tem sido raras as vezes em que pessoas são presas por subtração de coisas de valor ínfimo, delitos que não justificariam a movimentação da máquina judiciária. 

— É importante fazermos uma reflexão sobre estes casos, sobretudo diante da situação de miserabilidade que passam algumas pessoas. Num passado não muito distante, foi levado ao Superior Tribunal de Justiça a discussão de um processo onde a pessoa tinha sido presa, em razão da subtração de  macarrão, refrigerante e suco em pó — explica a coordenadora de defesa criminal da DPRJ, Lúcia Helena Oliveira.

Texto: Jéssica Leal



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