Vigilante cumpriu seis meses de pena em regime fechado e foi libertado após conseguir, a pedido da DPRJ, revisão da sentença por inconsistência nas provas.

 

Dúvidas quanto à autoria do crime e fragilidades das provas apresentadas ao longo de todo o processo levaram a Justiça fluminense a anular a condenação de um homem 14 anos após a acusação de ter assaltado, à mão armada, um carro de propriedade do Poder Judiciário. Sidinei de Souza Santos Junior, 46 anos completados na prisão, ainda tenta se refazer do abalo emocional e dos danos econômicos decorrentes de tanto tempo na condição de réu e dos seis meses encarcerado em cumprimento de parte da pena, há pouco finalmente suspensa, a pedido da Defensora Pública do Rio. 

— Sidinei foi processado e condenado com base em prova oriunda de reconhecimento colhido com violação à lei processual e às garantias fundamentais. A decisão acaba reforçando o trabalho intenso que estamos desenvolvendo nos casos de condenações por força de reconhecimento pessoal ou fotográfico. Casos como este fomentam a indesejável estatística de erros judiciários, trazendo prisões e/ou condenações injustas— explica a coordenadora de Defesa Criminal, defensora Lucia Helena de Oliveira. 

O crime de que Sidinei foi acusado aconteceu em 11 de abril de 2008, quando um Santana ano 2003, a serviço do gabinete de uma magistrada, foi levado por assaltantes da porta da casa do motorista, em São Gonçalo. Em depoimento na delegacia, esse mesmo motorista disse ter sido “abordado por um indivíduo negro, armado, o qual fugiu com o automóvel em alta velocidade”.  Cerca de um mês depois, ele afirmou ter cruzado com Sidinei — então vigilante de uma empresa terceirada a serviço do TJ —, nos corredores do Fórum, e tê-lo reconhecido como autor do crime. 

— São 14 anos perseguido por um fantasma.  Nunca tive contato com esse homem que me acusou, nunca nos vimos, inclusive eu estava de licença médica na época, com diagnóstico de tuberculose.  Ainda sinto vergonha dessa situação, eu e minha família continuamos abalados. Com a ficha suja, perdi a oportunidade de passar por reciclagem na Polícia Federal e renovar autorização para uso de arma de fogo no trabalho. Foram quase duas décadas como vigilante, mas passei a viver de bicos e deprimido — desabafa Sidinei. 

Os depoimentos do motorista e da mulher dele (que presenciou o assalto e mais tarde, disse ter reconhecido Sidnei apenas por uma foto) foram os únicos elementos de prova que deram início ao processo criminal.  

— Há pessoas condenadas ou que têm prisão preventiva decretada com fundamento, unicamente, em reconhecimento realizado com violações processuais. Estes casos precisam, com urgência, serem revistos, a fim de minimizar os erros judiciários que trazem prejuízos irreparáveis a quem é processado e a todos que lhe são próximos. A pessoa presa fica privada de sua família, de amigos e do trabalho. A pena é de privação de liberdade, mas afeta diversos outros aspectos importantes de sua vida — esclarece a defensora Lucia Helena de Oliveira.

A revisão criminal em favor de Sidinei é de 22 de junho último, quando, por unanimidade, o 3º Grupo de Câmaras Criminais anulou a pena de 6 anos, 6 meses e 12 dias em regime fechado por assalto à mão armada.  A decisão reconhece que, na condenação inicial dada pela 2ª Vara Criminal de São Gonçalo e na negativa de nulidade do processo solicitada à 4ª Câmara Criminal, não foram levadas em conta as circunstâncias que atestam a impossibilidade de Sidinei ter praticado o roubo.  
    
Sidinei, que pretende pedir indenização ao estado pelo tempo passado no cárcere, foi libertado no dia seguinte, mas não esquece os seis meses vividos na prisão.  

— Fui preso às vésperas do Ano Novo, na porta da empresa em que trabalhava como vigilante desarmado. Passei o réveillon e meu aniversário numa cela, aos prantos. Quando me soltaram, procurei o empregador, mas fui demitido por justa causa.  Agora sou considerado um homem inocente, mas nada vai compensar tanta injustiça — conta. 


O processo

A ação penal, agora nula, desconsiderou, segundo o relatório que levou à revisão do caso, ter a defesa do acusado “demonstrado de forma inequívoca que o mesmo se encontrava, no momento dos fatos, deslocando-se e chegando ao seu local de trabalho, conforme informação prestada pelo RioCard e pela sua folha de ponto”, já estando no Centro do Rio de Janeiro, no dia do assalto, “às 9h, ou seja, cerca de uma hora após o roubo, que se deu às 7h45, no município de São Gonçalo”, 

 “Há nos autos, ainda, informação prestada pela SuperVia”, confirmando que na data do roubo do veículo, Sidinei usou o RioCard às 06h59 na Estação de Queimados, onde morava, “o que é incompatível com a afirmação de que teria praticado um roubo em São Gonçalo, às 07h45”, argumentou a Defensoria Pública no pedido de revisão criminal. 

Além disso, o motorista do TJ e a esposa afirmaram que o carro foi levado pelo assaltante que eles identificaram como Sidinei, mas este não sabe dirigir. “Há ainda, uma série de outras inconsistências e incompatibilidades que apontam para o afastamento de autoria do Demandante no roubo em comento, como por exemplo a incapacidade do mesmo de dirigir, não podendo ter sido ele o indivíduo negro, mencionado pela vítima, que teria evadido o local conduzindo o veículo subtraído”, insistiu a Defensoria. 

“Nesse contexto, mostrando-se a prova dos autos insuficiente para evidenciar, com isenção de dúvidas, a ocorrência do crime em todos os seus aspectos, de modo a autorizar um decreto condenatório, a única solução jurídica possível é a rescisão do julgado a fim de que seja operada a absolvição do requerente”, resumiu o desembargador relator, Marcelo Castro Anátocles da Silva. 

Ainda segundo o relator, “para que haja a formação de um juízo de reprovação, é indispensável a existência de prova segura e convincente, de modo a não ensejar dúvida quanto à configuração do delito”. E mais: “Logo, tomando por base o fato de que no processo penal uma condenação deve ser lastreada em um juízo de certeza acerca da autoria e materialidade do crime, as provas acima destacadas demonstram que não existem condições seguras para alicerçar uma sentença condenatória em relação ao ora requerente”.



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