Uma Ação Civil Pública (ACP) movida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), nesta quinta-feira (13), pede à Justiça que proíba a realização de operações das forças de segurança no entorno das creches e escolas públicas estaduais e municipais. O objetivo é garantir o ano letivo de crianças e adolescentes, principalmente nas áreas da cidade constantemente afetadas pela violência.
Elaborada pela Coordenadoria de Defesa da Criança e do Adolescente (Cdedica) da DPRJ, a ação pede a concessão de liminar que obrigue o Estado a adotar uma série de medidas que priorizem o direito constitucional à educação. Em caso de descumprimento, a ACP requer a aplicação de indenização no valor de R$ 1 mil por dia de aula perdido aos alunos em razão dos tiroteios.
A ACP também pede a condenação do Estado em R$ 1 milhão por danos morais coletivos, em razão da violência a qual crianças e adolescentes são diariamente expostas nas portas das escolas. O valor deverá ser revertido ao Fundo para a Infância e Adolescência e ser utilizado para o desenvolvimento de projetos que reduzam os danos causados aos estudantes impactados com a constante violência institucional.
Escolas fechadas
Segundo dados compilados na ACP, as escolas municipais foram fechadas pelo menos 700 vezes no ano passado por causa da violência. Na rede estadual, 23 colégios tiveram as aulas suspensas pelo mesmo motivo em 2018, o que resultou num total de 59 dias letivos perdidos na área de abrangência que abarca, por exemplo, os bairros de Acari, Penha e Irajá.
Dados da plataforma Fogo Cruzado, que também embasam a ACP, indicavam a ocorrência de 6.059 tiros na região metropolitana do Rio até o fim de setembro do ano passado, dos quais 30% (1.819) no horário escolar e no perímetro de 300 metros de escolas e creches da rede pública e privada. Ao todo, oito pessoas foram baleadas dentro ou próximo de estabelecimentos de ensino em 2019, número 166% maior que o registrado em 2018.
Os disparos nas imediações de escolas, no período letivo de 2019, foram mais frequentes na Zona Norte e na Zona Oeste, com 695 e 369 dos registros, respectivamente. No ranking dos bairros, Vila Kennedy, que ficou conhecida como o “laboratório da intervenção”, ficou em primeiro lugar, com 103 tiros. Na sequência, estão a Cidade de Deus, com 92 episódios próximos a estabelecimentos de ensino; Complexo do Alemão, com 83; Tijuca, com 77; e Maré, com 44.
Impacto
Segundo o defensor Rodrigo Azambuja, coordenador da Infância e Juventude da Defensoria Pública, o impacto da exposição à violência vai além da suspensão ou interrupção das aulas. Não raro, alunos e profissionais de ensino desenvolvem problemas de saúde físico e mental, em consequência ao estresse pós-traumático. A dificuldade de aprendizado, a evasão escolar e alta rotatividade de professores são problemas comuns nas escolas das áreas conflagradas.
“Acordar ao som de tiros, ter que se agachar no corredor de uma escola às pressas e estudar ao som de rasantes de helicópteros geram, inevitavelmente, traumas nos alunos. As crianças e os adolescentes da periferia do Rio de Janeiro, infelizmente, encontram-se na linha de tiro da política de segurança pública fluminense, a qual tem levado a perda não só de aulas, mas de vidas, inviabilizando um espaço de aprendizagem seguro. As consequências advindas da violência urbana na vida de crianças e adolescentes, no entanto, não se limitam à saúde mental, mas também implicam violação a uma série de outros direitos que lhes são fundamentais”, afirmou.
Liminar
Entre a série de pedidos feitos pela ACP, destaca-se a concessão de liminar para obrigar a Secretaria de Estado de Segurança Pública a seguir uma instrução normativa elaborada pela própria instituição que proíbe operações policiais próximas a unidades de ensino e creches localizadas no Rio de Janeiro nos horários de maior fluxo de entrada e saída de pessoas, assim como a utilização desses estabelecimentos como bases operacionais das forças de segurança. Essa mesma norma também prevê a criação de um protocolo de comunicação para que diretores de unidades de saúde e de ensino, na iminência das operações, tenham tempo hábil para adotar as medidas necessárias para reduzir os riscos à integridade física das pessoas sob suas responsabilidades.
A ação também pede a proibição de voos de helicópteros sobre as escolas, respeitando-se a distância horizontal de dois quilômetros de cada estabelecimento de ensino. A ACP requer a criação de um comitê de monitoramento para fiscalizar a educação em áreas com alto índice de violência urbana e operações policiais, a ser composto pela DPRJ, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Conselhos Estadual e Municipal de Educação, Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente e outros órgãos da sociedade civil. Também há pedido para que o Estado elabore e apresente um plano de atuação que garanta o direito à educação de crianças e adolescentes a ser submetido a esse novo órgão.
A DPRJ pede ainda a criação de um calendário para a reposição das aulas perdidas em razão da violência, a fim de garantir o currículo escolar previsto para o ano letivo e evitar o atraso acadêmico dos estudantes que vivem nas regiões mais violentas. A medida deverá ser comprovada mediante relatório a ser apresentado pelas unidades de ensino das redes estadual e municipal.
A ACP prevê também a prestação de serviço de assistência psicossocial e pedagógica para estudantes, assim como o treinamento de professores e demais profissionais das rede estadual e municipal de educação em estratégias integrais de gestão de riscos e de crises. A ideia é criar, em cada escola, grupos de suporte responsáveis pela orientação de pessoas durante a ocorrência de um tiroteio, por exemplo.
A ação pede, por fim, o reconhecimento das vítimas letais da violência, com a nomeação de escolas com seus nomes.
“É uma forma de reparação simbólica dos danos às comunidades afetadas, por meio do reconhecimento de que a política de segurança pública empregada vem gerando vítimas nesses locais. Por isso, pedimos na ACP que os réus sejam condenados a nomear unidades escolares com os nomes das vítimas de operações policiais dos últimos cinco anos, colocando-se uma placa com a idade e a causa da morte da criança ou adolescente em ato público a ser realizado nesses estabelecimentos”, explicou a defensora Beatriz Cunha, subcoordenadora da Infância e Juventude da DPRJ.
Recomendação
Distribuída à 1ª Vara da Infância e Juventude e do Idoso da capital, a ACP foi elaborada após a Defensoria Pública encaminhar, no dia 24 de janeiro, uma recomendação ao governo do estado e à prefeitura com um conjunto de medidas a fim de preservar a segurança dos estudantes nos dias de operações policiais. A DPRJ não obteve resposta. As principais medidas requeridas na ação civil pública constam no documento enviado antes do início do ano letivo de 2020.
Acesse a íntegra da ACP: http://bit.ly/31PdgNs