Eles foram declarados oficialmente defensores públicos exatamente um mês antes, em solenidade formal diante de autoridades e familiares. Mas foi na sexta-feira (27), em cerimônia marcada por muita emoção e afirmação de direitos, que os 24 novos integrantes da Defensoria Pública do Rio foram apresentados da forma mais contundente ao grande desafio que terão pela frente. Diante de representantes de movimentos sociais e de membros da administração, todos foram diplomados na primeira Posse Popular realizada pela instituição. O local não poderia ser mais simbólico: o Complexo de Favelas da Maré, o maior do Rio de Janeiro, com 16 comunidades e 140 mil habitantes, alvo de constantes violações, mas também símbolo de resistência e luta.
A Posse Popular representa o compromisso da instituição com os mais vulneráveis. No exercício do cargo, cabe ao defensor não apenas garantir a assistência jurídica gratuita, mas também a promoção da cidadania plena e dos direitos individuais e coletivos, além da diversidade e da liberdade. Cada um desses papéis foi reforçado nas falas dos integrantes de diversos movimentos sociais que participaram da cerimônia.
Coordenadora e fundadora do Movimento Moleque e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Mônica Cunha parabenizou os novos membros pela posse e a instituição pela iniciativa. Mas também criticou a ausência de negros na turma, sinal do quanto ainda é preciso avançar em políticas afirmativas. “Recebê-los aqui hoje nos dá a certeza de que essa também é uma preocupação da Defensoria. Tenho esperança de que na próxima turma estaremos representados”, disse. Entre os moradores presentes, havia muitos jovens estudantes de Direito que sonham integrar os quadros da instituição. Alguns deles foram responsáveis pela diplomação dos novos defensores.
Autista e presidente da Abraneurodiversidade, Ana Lectívia Novoa falou da importância do trabalho do defensor na garantia dos direitos da pessoa com deficiência. “O Estado nega o acesso ao medicamento. Nega, por exemplo, o acompanhamento escolar especializado para pessoas com alguma deficiência intelectual, como o autismo, impedindo que ela explore todas as suas potencialidades. Quem pode mudar isso é o defensor”, afirmou.
A defensora Anna Carolina Deluca, oradora da turma, encontrou inspiração nos versos de Gonzaguinha para falar das sutilezas e desafios da carreira (Aprendi que se depende sempre de tanta muita diferente gente, toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente aonde quer que a gente vá)
– Assumimos o compromisso de sermos tanta gente, aonde quer que a gente vá. Assumimos o compromisso de defensorar, atitude tão forte que merece ser conjugada como verbo. Forte porque exige o cuidado e a sutileza de dar voz ao vulnerável, sem tomar o seu lugar de fala, de ser empático e se tornar seu megafone. Defensorar é dar protagonismo ao oprimido, é ser sensível, é virar a mesa e não ser engrenagem, é abrir a porta e dar a dose de coragem para o grito do corpo cansado da mãe solteira, do negro, da trans, da mulher, do favelado, do trabalhador. É nunca ser o não, o caminho fechado ou o olhar julgador – afirmou.
A cerimônia marcou o fim da primeira etapa do curso de formação das novas defensoras e novos defensores. No primeiro mês, foram realizadas atividades como debates e conversas na sede da DPRJ e visitas a presídios, hospitais, abrigos e às comunidades por meio do projeto Circuito Favelas por Direitos. Elaborado pela Coordenação de Programas Institucionais (COGPI) e pelo Centro de Estudos Jurídicos (Cejur), o curso terá a duração de três anos e compreende o período do estágio probatório.
Idealizador da Posse Popular, o ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, destacou a importância do atendimento respeitoso e acolhedor na Defensoria e a permanência de uma instituição aberta e articulada com a sociedade civil. Já o defensor público-geral, Rodrigo Pacheco, falou do simbolismo do momento para a instituição, que caminha de forma acelerada para se tornar uma Defensoria popular.
– Acredito muito no caminho para a construção de uma Defensoria aberta, plural, democrática, que esteja nas favelas e dialogue com a sociedade civil. Estamos aqui, com os novos defensores, para reforçar nosso compromisso de sermos cada vez mais proativos no atendimento aos nossos assistidos, indo até ele para garantir seus direitos – afirmou o defensor-geral.
Texto: Débora Diniz.
Fotos: Letícia Maçulo.