A orientação à gestão de conflitos em casos como o da Cruzada São Sebastião tem se mostrado cada vez mais eficaz na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) pelos resultados positivos obtidos para as partes por meio do diálogo e da escuta qualificada. Com o objetivo de também recuperar a convivência entre os moradores muitas vezes afetada pelas divergências no conjunto habitacional, a instituição utiliza técnicas de solução consensual de litígios bastante debatidas, na sexta (4), durante o seminário de comemoração pelos cinco anos de criação da Coordenação de Mediação e Práticas Extrajudicias.
Criada em 2014 pela Resolução 740, a Coordenação iniciou os atendimentos de Mediação na Defensoria em 2015 expandindo o serviço nesses cinco anos para Duque de Caxias, Madureira, Méier, Vila Isabel, Jacarepaguá, Campo Grande e Núcleo Central; e com a ampliação do atendimento de conciliação em Seropédica. Além de iniciativas como a realização de formações em parceria com as Instituições ISA/Mediare, Mediação Brasil, Instituto de Práticas Colaborativas e Peace Flow (Comunicação Não Violenta – CNV), foram criados grupos de trabalho e de estudos com as respectivas temáticas e atendidos casos emblemáticos relacionados à família, vizinhos, além de conflitos que envolviam questões de raça, gênero e transexualidade e a conflitos múltiplos como na Cruzada São Sebastião.
Localizada na Zona Sul do Rio com aproximadamente 7 mil habitantes, a Cruzada atualmente é atendida pela Defensoria na orientação à gestão dos conflitos identificados pela nova associação de moradores nos 10 blocos do conjunto habitacional. Outro caso bastante marcante atendido pela Coordenação nesses cinco anos de atuação foi o da ocupação das escolas estaduais por alunos em 2016. À época foram realizados encontros para a divulgação da cultura do diálogo junto à comunidade escolar em iniciativa que envolveu pais, alunos, professores e a direção em 23 visitas e mais de 96 horas de projeto desenvolvido pela Coordenação.
– É com satisfação e muito orgulho que comemoramos os cinco anos da Coordenação de Mediação em auditório lotado e com presenças ilustres. Foram muitos os desafios no período e a capacidade de manutenção do diálogo com adolescentes de 15 e 16 anos, na época da ocupação das escolas, foi um deles. Todos na Defensoria ficaram bastante impactados com a atuação dentro das unidades em meio à manifestação dos alunos e a presença das forças de Segurança para desocupar os espaços. É também muito bonito o projeto desenvolvido na Cruzada São Sebastião que pretendemos expandir – destacou na abertura do evento o defensor-geral do Estado, Rodrigo Baptista Pacheco.
Coordenadora de Mediação há mais de quatro anos, Christiane Serra esteve presente na mesa de abertura do seminário e na ocasião ressaltou a importância da ampliação da atuação extrajudicial por meio de diferentes métodos de autocomposição. Para a defensora, o atendimento de mediação deve ser ampliado ao mesmo tempo em que mais mecanismos e metodologias que utilizem como fundamento o diálogo podem ser implantadas.
– Nesses últimos cinco anos, podemos dizer que conseguimos tornar o atendimento de Mediação uma realidade na Defensoria. Passamos por alguns desafios num primeiro momento, sobre como identificar os casos e como abordar o convite para a mediação com as partes, mas com o tempo tivemos mais apoio dos colegas e o número de casos foi crescendo, os resultados foram percebidos como a melhoria na qualidade do atendimento e a vinda de pessoas que procuram espontaneamente a mediação a partir de relatos de amigos e familiares já atendidos – observa Christiane Serra.
Para a subcoordenadora de Mediação, Julia Luz, a resolução de conflitos por meio do diálogo e da escuta qualificada é um caminho que “deve ser valorizado e priorizado com políticas públicas” porque traz benefícios para todos.
– Não é possível construir a tão desejada paz social sem olhar para a violência estrutural na nossa sociedade, sem descontruir narrativas que excluem e violentam tantas pessoas oprimidas e subjugadas. A nossa intenção é de resgate da delicadeza, do afeto e da escuta com sensibilidade às desigualdades que atravessam e pautam as relações humanas – observou.
O seminário também contou na programação com a palestra “Comunicação Não Violenta em Tempos de Turbulência” ministrada pela juíza e escritora Andréa Pachá. Convidando à reflexão sobre o que tem movido o mundo “de forma tão brusca e violenta nas últimas décadas”, a magistrada falou sobre mediação de conflitos a partir da perspectiva da Educação.
– Vivemos em conflito permanente e fazendo escolhas permanentes, e isso faz parte da estrutura humana. Os conflitos, em vez de compreendidos, naturalizados e solucionados na medida das possibilidades reais, começaram a ser tratados como doença. Uma sociedade que elege valores não humanos, acaba adoecendo a condição humana. (...) E toda criança hoje vai à terapia porque não se consegue resolver as questões das contradições humanas nos ambientes que sempre foram adequados à solução desses conflitos – destacou Andréa Pachá, continuando: “Não conseguindo resolver isso na escola, essas questões são remetidas à Justiça. A Justiça hoje virou e tem virado a esfera inicial de solução de conflitos que dizem respeito à nossa humanidade. E não têm sido poucos os conflitos banais e cotidianos que têm chegado em detrimento de um acesso à Justiça que deveria ser garantido para grande parte da sociedade”, observou.
Foi ainda proferida a palestra “Atuação da Defensoria Pública e da Advocacia como Profissionais Neutros” pela advogada colaborativa e mediadora de conflitos Olívia Fürst. Ao final, houve roda de conversa sobre “Mediação e Diversidade: conflitos assimétricos e desigualdades estruturais” com Diana Bonar, especialista em transformação de conflitos e estudo da paz; Fernanda Martins Portela, advogada e mediadora de conflitos; Naura dos Santos Americano, psicóloga, diretora da Somec-RJ e mediadora de conflitos; e com a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da DPRJ, Flávia Nascimento; e a coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (Nudversis), Letícia de Oliveira Furtado.
O diretor-geral do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur), José Augusto Garcia, também participou da mesa de abertura do evento. Além do Cejur, o seminário contou com o apoio da Fundação Escola Superior da Defensoria (Fesudeperj).
DPRJ estebelece novos parâmetros para atuação voluntária de mediadores
Recentemente a Defensoria estabeleceu novos parâmetros para a atuação de mediadores voluntários e, com isso, quem tem mais de 18 anos e formação teórica e prática em mediação de conflitos pode participar, desde que esteja de acordo com o estabelecido nas resoluções referentes ao assunto.
Clique aqui e acesse a Resolução DPGE 999/2019.
Clique aqui e acesse a Resolução DPGE 1000/2019
Texto: Bruno Cunha
Fotos: Jaqueline Banai
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