Familiares e vítimas dos mais diversos tipos de violência sofridas no Rio de Janeiro narraram suas tragédias à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) na última quinta (8) e sexta-feira (9). Esta foi a primeira visita do órgão ao Brasil, após quase 20 anos. Vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), a instituição cumpriu parte de sua agenda na sede da Defensoria Pública do Estado (DPRJ).
Segundo a Anistia Internacional, o Brasil tem a polícia que mais mata, mas também a que mais morre. Para ilustrar essa estatística, as viúvas dos PMs mortos em serviço desabafaram sobre a perda de seus entes para violência urbana em reunião, na quinta, com membros da comissão realizada na sede da DPRJ.
– A PM recebe seu filho bem, atleta e devolve ele doente, com hipertensão, depressão ou morto – contou uma viúva, cujo o marido fora assassinado em janeiro de 2017.
– Até hoje nós não temos respostas sobre a morte do meu marido. A maior dificuldade é a informação que não chega – afirmou outra participante, que ficou viúva em novembro de 2016.
– É você e sua dor. É preciso tirar forças para colocar uma pasta cheia de documentos embaixo do braço e ir atrás de pensão e investigação – acrescentou outra a esposa de outro policial morto em fevereiro de 2017.
– Temos a profissão mais suicida, porque nem em casa deixamos de trabalhar. Estou tentando me reformar, mas segundo a Lei só posso fazer isso depois de três anos após o incidente. Devo esperar minha perna crescer até lá? – relatou um policial, que perdeu a perna durante o serviço.
Vítimas da Ditadura
Os defensores do Núcleo de Direitos Humanos, Fábio Amado e Daniel Lozoya, coordenador e subcoordenador, respetivamente, acompanharam as reuniões da CIDH. A delegação também recebeu ex-exilados políticos e vítimas da ditadura brasileira, na reunião Memória, Verdade e Justiça.
– Essa visita é muito importante para o país. Estivemos em Brasília e depois do Rio seguiremos para o Mato Grosso do Sul – disse a comissionada da CIDH no Brasil Antônia Urrejola.
Para o defensor Daniel Lozoya, a visita da comissão ao Brasil ocorre em um momento importante e pode contribuir para os processos que visam a reparar violações de Direitos Humanos.
– A situação é muito crítica: temos violência urbana e no campo, ameaças e intimidações a povos indígenas e a defensores de direitos humanos, violência contra pessoas LGBTI e superlotação carcerária em condições desumanas. Por isso, é muito importante esse contato da CIDH com a sociedade civil, movimentos sociais e pessoas que sofrem múltiplas formas de opressão, discriminação e marginalização, a fim de estreitar relações, ouvir relatos diretos das vítimas e ativistas e assim ter noção dos desafios da defesa e promoção dos direitos humanos no Brasil – destacou o defensor.
Nesse encontro, a mãe de um adolescente morto durante uma operação policial também expôs sua dor. Ela e o restante da família lutam pelo direito de realizar um novo sepultamento para o rapaz de 18 anos, que não tinha documentos quando foi assassinado, há nove meses.
– Meu filho foi morto com dois tiros. O estado, além de assassinar meu filho, enterrou ele como indigente – disse com emoção a mãe do jovem, enquanto segurava um banner com a foto do filho estampada.
– A tortura virou rotina no Brasil, infelizmente – concluiu outro participante, que se identificou como ex-militar. Ele contou que foi perseguido político na época da ditadura brasileira e hoje atua para denunciar as torturas que ainda acontecem dentro dos quarteis militares.